Mandaram a gente correr e atiraram com balas de borracha

JOÃO WAINER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE ASSUNÇÃO (PARAGUAI)

Na sexta-feira (31), enquanto participávamos de uma pesquisa para a organização Update Politics sobre inovação política na América Latina, fomos surpreendidos por um levante de milhares de manifestantes que tomaram as ruas do centro da capital paraguaia e atearam fogo no Congresso Nacional.

Eles protestavam contra manobra de 25 senadores que usaram mecanismos regimentais para aprovar a possibilidade de reeleição do presidente Horácio Cartes no pleito de 2018, algo proibido pela Constituição do país.

No fim da tarde, sem motivo aparente, a polícia que tomava conta do prédio desde cedo simplesmente desapareceu, deixando a entrada livre para os manifestantes quebrarem as portas de vidro e destruírem tudo o que encontravam pela frente. A cena foi muito parecida com a que presenciei em São Paulo nos protestos de junho de 2013, quando a Polícia Militar também deixou o caminho livre para os manifestantes tentarem invadir o prédio da prefeitura e saquearem lojas no centro da cidade.

Durante o enfrentamento, manifestantes cantavam palavras de ordem contra o presidente Cartes e seu antecessor Fernando Lugo, acusando os dois -que são adversários- de estarem se aproveitando da maioria que juntos têm na Câmara e no Senado para dar um golpe parlamentar. Com os rostos cobertos e muita violência, eles diziam que o presidente planeja instituir uma nova ditadura no país, e que as ruas não iriam deixar isso acontecer novamente no Paraguai.

Por volta da meia-noite, fomos encurralados por um grupo de policiais que nos mandou deitar no chão com as mãos na cabeça. Identificamo-nos como imprensa e obedecemos, mas mesmo rendidos eles começaram a nos agredir com chutes na cabeça e nas costas e coronhadas com a parte de trás da espingarda.

Depois de alguns minutos de agressão, nos mandaram levantar e correr. Quando fizemos isso eles atiraram várias vezes com munição não letal em nossa direção. O fotógrafo Rodrigo Machado foi atingido por quatro tiros nas costas e a fundadora do Update, Beatriz Pedreira, também levou um tiro nas costas. Por sorte, apesar de estar na linha de fogo, nenhum dos disparos me atingiu.

A dor e o sangue das agressões que recebemos deixaram claro que a inovação política que era o foco da nossa pesquisa havia sido atropelada pelo que existe de mais antigo e nefasto na viciada cena política da América Latina.

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