Ataques na Somália despertam temor de que a ameaça pirata tenha voltado

JEFFREY GETTLEMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM NAIRÓBI, QUÊNIA

Os piratas voltaram?

Depois de anos de tranquilidade nos mares, viagens sem interrupções e ausência de ataques graves, piratas somalis capturaram quatro navios no mês passado, o que desperta o temor de que a ameaça da pirataria esteja de volta ao Oceano Índico.

Um navio de carga de bandeira paquistanesa, que transporta alimentos, foi tomado ao largo da costa central da Somália, anunciaram as autoridades somalis na terça-feira, apenas alguns dias depois que piratas capturaram um cargueiro indiano e o conduziram um infame covil.

Os piratas atacam praticamente qualquer coisa que flutue –iates, navios de carga, dhows [navios a vela tradicionais árabes], veleiros, superpetroleiros e até mesmo um navio da marinha de guerra dos Estados Unidos.

Analistas dizem que diversos fatores vêm favorecendo o ressurgimento da pirataria, entre os quais seca, fome, corrupção, uma alta no contrabando de armas e a influência do Estado Islâmico.

Todos os ataques recentes, entre os quais a tomada de um petroleiro no mês passado, parecem ter sido executados por bucaneiros do centro da Somália ou de Puntland, uma região semiautônoma no nordeste somali.

"O Puntland vem enfrentando muitos problemas, agora", disse Mohamed Mubarak, que dirige uma organização somali de combate à corrupção chamada Marqaati, uma palavra que significa "testemunha".

"Em muitas cidades costeiras, não há presença do governo", ele disse. "Você pode fazer o que bem quiser. Piratas e quadrilhas de criminosos têm espaço, agora".

De 2008 a 2012, aconteceram centenas de ataques, e os piratas e aqueles que os financiam ganharam fortunas com os resgates obtidos, ainda que. numerosos piratas tenham morrido afogados. Havia até uma organização de piratas chamada The Corporation, que teria supostamente publicado um guia delineando um código de conduta para os piratas.

Com o tempo, as companhias de navegação aprenderam a enfrentar a ameaça. Investiram na contratação de seguranças pesadamente armados, que não hesitavam em destruir os botes de fibra de vidro usados pelos piratas.

Ao mesmo tempo, uma coalizão de marinhas de guerra estrangeiras reforçou as patrulhas na região, ocasionalmente queimando US$ 1 milhão em combustível a cada dia de navegação ao largo da tortuosa costa somali, que se estende por três mil quilômetros e é a mais longa da África continental.

Organizações assistenciais também se envolveram na questão, oferecendo alternativas aos milhares de jovens que haviam se tornado piratas. Projetos de pesca foram iniciados, e campanhas de educação profissional.

Os riscos mais sérios e as novas oportunidades de emprego atraíram pessoas - e verbas - que antes terminavam envolvidas com a pirataria.

Mas os programas assistenciais podem ter caído vítimas de seu sucesso, segundo Mubarak. Depois de anos de queda no número de ataques, os recursos antes usados para patrulhar a costa somali foram transferidos e os fundos passaram a ser a ser empregados para combater outras ameaças, entre as quais o Estado Islâmico, que recentemente ocupou cidades na costa de Puntland.

As autoridades somalis informaram que o cargueiro indiano capturado na semana passada estava atracado à espera do pagamento de um resgate, na região de El Hur, na costa de Puntland, um conhecido covil de piratas. O navio paquistanês carregado de comida também estava a caminho da costa somali, ainda que seu destino não esteja claro.

Em março, os piratas sequestraram um petroleiro e detiveram temporariamente sua tripulação, do Sri Lanka, antes de liberar o navio e os tripulantes sem impor condições, informaram as autoridades somalis no momento do incidente. Ainda naquele mês, piratas atacaram um grande barco pesqueiro, com o plano de usá-lo como base para sequestrar navios ainda maiores.

Depois de diversas temporadas de pouca chuva, a Somália está à beira de uma onda de fome, e centenas de milhares de pessoas estão perto de esgotar suas reservas de comida.
"A fome está levando as pessoas ao crime", disse Mubarak. "Está fazendo com que muita gente saia à procura de alguma coisa".

Outros analistas disseram que mais e mais barcos pesqueiros internacionais não licenciados estavam operando nas águas da Somália, atrapalhando os pescadores locais e possivelmente levando alguns deles a recorrer à violência.

Os analistas dizem que a pirataria somali é, acima de tudo, uma decisão de negócios. Mercadores ricos no centro do país e em Puntland devem ter decidido que, depois de anos de prejuízo, a pirataria em alto mar voltou a ser um negócio que oferece a chance de enriquecer.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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