Líderes de Irã e EUA trocam farpas, mas grandes negócios prosseguem

THOMAS ERDBRINK
DO "NEW YORK TIMES"

O presidente Donald Trump jamais ocultou sua hostilidade quanto ao Irã, e recentemente apelou por uma grande estratégia regional para o isolamento do país pelos seus vizinhos sunitas. Mas Teerã recebeu a ameaça com surpreendente tranquilidade porque, na prática, o governo Trump vem mostrando disposição de fazer negócios com os iranianos.

Na superfície, as notícias recentes parecem desfavoráveis para a república islâmica. Na recente conferência de cúpula entre países árabes e os Estados Unidos na Arábia Saudita, Trump compareceu como convidado do rei saudita Salman, inimigo jurado do Irã, e Washington e Teerã assinaram um acordo recorde de venda de armas em valor de US$ 110 bilhões.

"Até que o regime iraniano esteja disposto a ser um parceiro pela paz", disse Trump na conferência, "todas as nações de consciência precisam trabalhar juntas para isolar o Irã e negar a ele recursos para alimentar o terrorismo".

No que parece ter sido uma resposta ao acordo de armas, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, declarou no sábado que as armas compradas não teriam resultado.

"Esses tolos acham que, ao gastar dinheiro, podem ganhar a amizade dos inimigos do Islã", afirmou Khamenei em um texto postado em seu site pessoal. "Eles são como vacas leiteiras. Serão ordenhados e, quando o leite acabar, serão abatidos".

Retórica dura de parte a parte, mas o Irã está à espera da entrega de uma frota de jatos de passageiros fabricados pela Boeing, resultado de duas transações em valor de US$ 22 bilhões com a companhia norte-americana. O mais recente contrato entre a Boeing e a companhia de aviação iraniana Iran Aseman foi assinado dois meses depois da posse de Trump.

O presidente norte-americano, cuja campanha eleitoral falava em colocar os Estados Unidos em primeiro lugar, aparentemente não está disposto a cancelar uma encomenda que deve criar 18 mil empregos.

Durante a campanha presidencial, Trump escarneceu abertamente do acordo nuclear com o Irã, definindo-o como "o pior acordo de todos os tempos". Mas em abril e maio, ele discretamente assinou a suspensão de certas sanções, para permitir que o acordo continue em vigor e que o Irã conduza negócios internacionais e reconquiste o acesso a dinheiro há muito congelado em contas nos Estados Unidos.

Novas indicações de que o governo Trump está disposto a um engajamento com o Irã surgiram na entrevista coletiva que o secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson concedeu em Riad, depois do discurso linha dura do presidente. Perguntado como reagiria se o ministro do exterior iraniano Mohammad Javad Zarif telefonasse para ele, Tillerson disse que atenderia a ligação.

"Em termos de atender ou não a ligação, eu jamais desligaria na cara de alguém que deseje falar comigo ou ter uma conversação produtiva", disse Tillerson.

O governo Trump parece ter percebido uma coisa importante sobre o Irã: o motivo mesmo para que os norte-americanos se queixem do país e se preocupem com ele –o avanço de sua influência na região– torna imperativo que os dois governos mantenham uma relação de trabalho.

Os Estados Unidos terão dificuldade para resolver os problemas do Oriente Médio sem a cooperação do Irã –no Líbano, os iranianos apoiam a facção xiita militante Hizbollah; na Síria, o país ajuda a sustentar no poder o governo do presidente Bashar Assad; no Iraque, Teerã apoia o governo do primeiro-ministro Haider al-Abadi e treina poderosas milícias xiitas; e no Iêmen, os iranianos em alguma medida apoiam a rebelião dos houthis contra o governo.

É por isso, dizem alguns analistas, que haverá espaço para compromisso caso os dois países decidam negociar. Os Estados Unidos trocariam a suspensão de suas restrições à economia do Irã por concessões do Irã quanto a questões regionais.

O governo Trump impôs uma série de sanções a pessoas e empresas iranianas depois que o Irã conduziu um teste de míssil em fevereiro. Mas isso foi apenas uma extensão da política adotada no governo Obama.
E na quinta-feira, o Comitê de Relações Exteriores do Senado aprovou diversas sanções contra o Irã por violações dos direitos humanos e apoio ao terrorismo.

Os senadores o fizeram apesar das objeções do antigo secretário de Estado John Kerry, que negociou o acordo nuclear. Em uma série de posts no Twitter, quarta-feira, Kerry apelou ao comitê do Senado que não impusesse sanções e advertiu contra "confronto sem conversação".

Hassan Rowhani, recentemente reeleito para a Presidência do Irã, sugeriu que os dois lados poderiam organizar negociações depois que Trump tivesse algum tempo no poder e Teerã pudesse avaliar o líder norte-americano com mais calma. "Estamos esperando que o novo governo norte-americano atinja a estabilidade, em termos de postura, agenda e mentalidade", disse Rowhani em entrevista coletiva na semana passada. Depois que isso acontecer, acrescentou, "teremos uma visão mais precisa sobre Washington".

O Irã e os Estados Unidos romperam relações diplomáticas em 1979, depois da crise dos reféns na embaixada dos Estados Unidos. Mas negociaram diretamente o acordo nuclear, em contatos iniciados em segredo em 2013, antes que Rowhani fosse eleito presidente, o que aconteceu mais tarde naquele ano.

O presidente iraniano está sob pressão da linha dura em seu país para rejeitar negociações diretas com os Estados Unidos. Mas ele pode apontar para os benefícios tangíveis que resultaram de contatos face a face com o Ocidente. O acordo nuclear jamais teria sido obtido sem esse tipo de diálogo, e ajudou a aliviar as sufocantes sanções internacionais que levaram a economia do Irã à paralisia e forçaram Teerã a negociar.

"Eles participaram das negociações e, à mesa, conversaram respeitosamente com os representantes da nação iraniana", disse Rowhani sobre os representantes norte-americanos nas negociações nucleares. "O resultado foi uma vitória para todos, e creio que ela beneficiou o Irã, todos os países do grupo P5+1 e o planeta", disse o presidente iraniano em entrevista coletiva, fazendo referência ao nome diplomático usado para designar os países participantes das negociações - de um lado o Irã e do outro China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia.

Rowhani precisa de novas negociações, agora, para cumprir sua promessa de campanha de obter alívio das sanções unilaterais norte-americanas que continuam a sufocar a economia iraniana. Embora muitas sanções tenham sido levantadas depois do acordo nuclear, as restantes ainda desencorajam bancos europeus de oferecer financiamentos desesperadamente necessários a transações de negócios e projetos de infraestrutura no Irã.

Rowhani declarou na segunda-feira que, se o líder supremo iraniano, Khamenei, concordar, ele tentaria iniciar o processo para a retirada das sanções remanescentes. "Será difícil, mas possível", disse o presidente.
Do lado norte-americano, a experiência de muitos dos integrantes do novo governo no setor privado deve fazer com que se inclinem à negociação, na análise de Mashallah Shamsolvaezin, um comentarista político iraniano de tendência reformista. "Trump, Tillerson, os outros - esse é um governo de homens de negócios. Eles resolvem problemas negociando, não combatendo", disse Shamsolvaezin.

Um assessor de Zarif, o ministro do Exterior iraniano, disse não descartar negociações diretas, mas acrescentou que os iranianos ainda estavam aprendendo a ler Trump. "Ele é um homem de negócios", disse o assessor, Hossein Sheikholeslam, "mas mesmo nos negócios age de forma impulsiva e imprevisível".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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