Para Lafer, é "razoável" que Itamaraty sob Temer mire legitimar o governo
Zanone Fraissat/Folhapress | ||
Celso Lafer, que foi chanceler nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso |
Ministro das Relações Exteriores por duas vezes, Celso Lafer considera "razoável" que a diplomacia brasileira sob Michel Temer tenha buscado legitimar o governo do peemedebista na esteira do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Para Lafer, 75, "houve avanços" como a retirada do apoio ao regime chavista de Nicolás Maduro na Venezuela, mas "compreensivelmente o governo está atrás de legitimidade externa".
Lafer comentou, a pedido da Folha, o documento "Brasil, um país em busca de uma grande estratégia", publicado pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência. O texto provocou polêmica entre diplomatas por apontar o que chamou de fracasso da política externa do Brasil ao longo dos anos e pontuar críticas à atuação do Itamaraty sob os governos FHC, Lula, Dilma e Temer.
O texto, ao considerar que a diplomacia de Temer primeiramente busca legitimar o governo no exterior, aponta que isso se torna uma agenda pontual, não uma "estratégia coerente".
"No geral, o documento é muito vago. Política externa é sobre necessidades internas e possibilidade externas. Não fica claro o que os autores consideram necessidade, além de prestígio do país ou inserção comercial. Você precisa escolher onde quer atuar. Por exemplo, o Brasil tem atuação efetiva na área de meio ambiente, com participação importante na elaboração dos Acordos de Paris", afirmou.
Tucano, Lafer estava à frente do Itamaraty no governo Itamar Franco em 1992, quando o Brasil sediou a primeira das grandes conferências sobre mudanças climáticas das Nações Unidas, a Rio-92. Ocupou o cargo novamente de 2001 a 2002, sob FHC.
O ex-ministro, que é advogado, professor e membro da Academia Brasileira de Letras, concorda com algumas das críticas do texto. Afirma que foi um erro o Brasil tornar como prioridade, nos anos Lula, a busca por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.
A busca começou no governo FHC, mas, segundo Lafer, "naquele momento nós sabíamos que havia uma possibilidade, e caberia ao Brasil buscar aproveitar a chance se ela se colocasse". "Na diplomacia, você não pode se subestimar, nem se superestimar. E o Celso Amorim [chanceler durante os oito anos de governo Lula] se superestimou muito", disse.
Sobre relações comerciais, Lafer defende a "aposta que fizemos" no multilateralismo vigente nos anos 1990 no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), mas afirma que foi um "erro de avaliação" dos governos posteriores "seguir nessa ênfase quando ficou claro que não daria certo" —outro ponto do documento.
Já a atuação de diplomatas, classe que segundo o documento tem integrantes que preferem evitar protagonismo político para resguardar suas posições "defensivamente", é defendida por Lafer. "Aquela crítica é injusta", diz. "O Itamaraty permanece como uma burocracia de grande qualidade."
Para ele, a celeuma sobre o documento, cuja crítica a Temer foi considerada "bobagem" pelo atual chanceler, o também tucano Aloysio Nunes Ferreira, deve-se ao fato de que ele foi divulgado sem debate. "O desejável seria uma articulação interna. Senão o diálogo vira um monólogo", afirma.
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