Se Theresa May fosse brasileira, ela seria Michel Temer

HENRIQUE GOLDMAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um velho amigo do Bom Retiro veio me encontrar aqui em Londres, há alguns anos. Era a primeira vez que ele visitava a Europa e me divertia muito ouvir suas comparações entre o Brasil e o Reino Unido.

Ele não parava de fazer perguntas: "Onde fica a Higienópolis de Londres? A Edgware Road não seria uma espécie britânica de Rua Teodoro Sampaio? Qual é a franquia local equivalente à Vivenda do Camarão? Quem seria a Sheila do Tchan britânica?", em alusão a alguns marcos da cidade de São Paulo e do Brasil dos anos 90.

Quando foi embora, ele passou pela Suíça e me mandou um cartão postal com uma maravilhosa vista dos Alpes. Nele, escreveu: "Se engana quem diz que Campos do Jordão é a Suíça Brasileira. A Suíça é que é a Campos de Jordão da Europa".

Aqui no Reino Unido, hoje é dia de eleições, e a população —em meio à crise política do "brexit", ainda tomada pelo trauma dos recentes ataques terroristas— sabe, de forma profunda, que o destino do país está em jogo como poucas vezes esteve em sua história recente.

Estaremos elegendo os governantes que vão negociar os termos nos quais o país vai se separar da União Europeia, e um um mau divórcio pode significar anos de ostracismo, retrocesso e escuridão. Enquanto isso, no Brasil, há um julgamento que pode impugnar o presidente, em meio a uma crise institucional sem fundo de poço. É um momento muito confuso. Acordei pensando que a bizarra semiótica comparativa do meu amigo do Bom Retiro talvez possa servir para observar melhor as duas realidades.

Meu amigo diria que a Theresa May, a primeira-ministra britânica, é o Michel Temer deles. Governante da mais pura estirpe neoliberal, May é tão impopular quanto o nosso similar nacional. Quando comandava o Ministério do Interior, no governo de David Cameron (2010-16), ela militou muito contra o "brexit".

Mas quando o referendo determinou a saída do Reino Unido da União Européia e, por causa disso, Cameron renunciou, num passe de mágica ela passou a suar a camisa do time contra o qual tinha até então jogado e se tornou primeira-ministra —no quesito oportunismo e falta de integridade, isso não lembra a conspiração do então vice-presidente Temer contra Dilma Rousseff?

Se fosse brasileira, a exemplo de Temer, May com certeza teria sido golpista. Em nome de sua sua paixão cega pelas leis do mercado ela também teria tramado, como Temer, contra pobres aposentados, despejado índios de suas terras e aberto as portas para o desmatamento da Amazônia. No Brasil, Theresa May teria sido eleita com dinheiro fraudulento e seguramente delatada na Lava-Jato.

Em contrapartida, meu amigo poderia dizer que Temer é a Theresa deles.

Se fosse britânico, Michel seria com certeza um conservador. Como sua alma gêmea britânica, ele promoveria cortes maciços no NHS (equivalente local do SUS) e no sistema educativo. Em nome da austeridade fiscal, também teria cancelado (como fez May) a ajuda do governo para pacientes com câncer e deficientes físicos, mas ao mesmo tempo seria um fiel escudeiro do sistema financeiro internacional, mantendo impostos baixos para as grandes corporações.

Sem dúvida, para fomentar as exportações, Temer aprovaria vendas bilionárias de armamentos para ditaduras sanguinárias como as da Arábia Saudita e Bahrein, países que, aliás, financiam grupos terroristas, alguns deles envolvidos nos próprios ataques de Manchester e Londres nas últimas semanas.

A lista de paralelismos poderia continuar ad infinitum: que tal contrapor Tony Blair e Luiz Inácio Lula da Silva (dois Faustos que, para se perpetuar no poder, venderam as próprias almas para o diabo)? E a dupla Jair Bolsonaro - Nigel Farrage (o ex-líder do partido ultranacionalista xenófobo Ukip), um paralelo tão óbvio que não tem graça?

Mas certas idiossincrasias são intraduzíveis.

Aqui, por exemplo, não rola o nível Joesley Batista, a corrupção boçal e endêmica, o cuecão suado, cheio de dólares. E no Brasil não sofremos do mesmo complexo de inferioridade pós colonial dos britânicos —não temos a tradição de intervir em conflitos alheios por interesses próprios, nem um equivalente para o "nuclear deterrance", a política de construir e manter um arsenal nuclear com o intuito de intimidar outros países.

Saio para votar com o coração na mãos. Rezo para que o deus das urnas determine a aposentadoria compulsória e imediata de Theresa May. E que no TSE Michel Temer experimente um pouco do veneno que ajudou a espalhar pelo mundo.

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