Financistas tratam Trump com cautela e atuam nos bastidores por agenda

JAMES HOHMANN
DO "WASHINGTON POST", EM COLORADO SPRINGS

Os doadores milionários que financiam a conservadora rede Koch têm muitas razões para se alegrar, cinco meses depois de iniciada a Presidência de Donald Trump.

O juiz Neil Gorsuch chegou à Suprema Corte, e foram nomeados muitos outros juízes que são favoráveis às empresas. Regulamentos importantes promulgados sob o governo de Barack Obama foram rescindidos. Regras ambientais foram revogadas ou reduzidas.

Uma lei promulgada na sexta-feira que facilita a demissão de funcionários pelo Departamento de Assuntos de Veteranos vai servir como modelo para a revogação de proteções do funcionalismo público. O governo propôs cortes maciços nos gastos públicos.

Mas, em vista dos ferimentos autoprovocados de Trump e das persistentes brigas internas dos republicanos em Washington, os financistas reunidos no resort Broadmoor, perto de Colorado Springs, também estão tendo que encarar a possibilidade de que oportunidades áureas de reformar o código fiscal e revogar a Obamacare estão sendo desperdiçadas.

A rede, chefiada pelo industrial bilionário do Kansas Charles Koch, se recusou terminantemente a apoiar Trump na campanha de 2016, mesmo depois de os republicanos mais obstinados terem aberto mão de sua resistência.

Agora os dois lados parecem ansiosos por deixar a eleição mais recente no passado. Os Koch querem um lugar à mesa e prometem trabalhar om a administração para promover as metas que compartilham com ela. A equipe de Trump, que inclui muitas pessoas que trabalharam para os Koch no passado, quer a ajuda a sua ajuda.

O vice-presidente Mike Pence, aliado de longa data da rede Koch, se reuniu com Charles Koch em Colorado Springs por 45 minutos na noite de sexta-feira. Juntou-se a eles Marc Short, que até o ano passado dirigia as iniciativas políticas da rede Koch e agora é o contato da Casa Branca com o Legislativo.

O próprio Trump raramente vem sendo mencionado por nome, positiva ou negativamente, durante o encontro de três dias, que se encerrará na noite de terça (27).

Alguns de seus maiores críticos republicanos no Senado durante a campanha do ano passado participaram do encontro no fim de semana, entre eles Ben Sasse, do Nebraska, Jeff Flake, do Arizona, Ted Cruz, do Texas, e Mike Lee, do Utah.

Mas nenhum deles fez críticas públicas ao presidente, pelo menos não nas sessões às quais jornalistas tiveram acesso. Refletindo o poder da rede Koch, o vice-líder republicano no Senado, John Cornyn, também participou do encontro.

Num coquetel na noite de sábado, Mike Lee e Leonard Leo, da Federalist Society, foram elogiados por seu trabalho na aprovação de Neil Gorsuch, o escolhido por Trump para assumir o lugar na Suprema Corte do falecido juiz Antonin Scalia. Grupos financiados pela rede Koch, liderados pela entidade Concerned Veterans for America, investiram fortemente nesse esforço.

As sessões do fim de semana focalizaram um pouco menos que no passado as áreas em que a rede Koch discorda de Trump, incluindo comércio, imigração, justiça criminal e programas sociais. Houve ênfase adicional sobre áreas nas quais eles podem fazer causa comum, desde política fiscal até opções alternativas ao ensino fundamental público.

Koch deixou claro a seus aliados que não está abrindo mão de nenhum de seus princípios fundamentais.

Citando Martinho Lutero, ele disse: "É aqui que me posiciono; não posso fazer de outra maneira". Ele sempre teve afinidade com uma frase do abolicionista Frederick Douglass, que repetiu: "Eu me unirei a qualquer um para fazer o bem e a ninguém para fazer o mal". E ele gosta de citar Calvin Coolidge para reforçar que a persistência é mais importante que o talento, a genialidade ou a educação.

Koch está acostumado com esse equilibrismo. A rede Koch tem um histórico de desafiar republicanos que data de sua fundação, durante a administração de George W. Bush. Koch inicialmente reuniu um grupinho de conservadores e libertários que pensavam como ele, alarmados com políticas republicanas como as tarifas sobre o aço e o programa No Child Left Behind, que ampliou o papel federal na educação.

"Quando considero onde estamos hoje, quando penso nas dimensões e eficácia desta rede, fico pasmo", comentou Koch no sábado (24), em meio a reminiscências sobre o primeiro seminário, em 2003. "Estamos mais otimistas agora do que nunca em relação ao que podemos realizar. Acho que vamos realmente começar a realizar algo positivo."

Brian Hooks, presidente do Instituto Charles Koch e co-presidente do seminário do fim de semana, disse que a rede simplesmente optou por ser pragmática.

"Que fique claro: não buscamos uma política pública perfeita, porque sabemos que isso não existe", ele explicou durante debate na tarde de domingo.

"O que buscamos é uma política pública que conduza nosso país no rumo certo. Isso acontece na maior parte do tempo. Quando os legisladores se desviam do caminho correto, faremos todo o possível para trazê-los de volta. Quando discordamos com deputados republicanos ou com o presidente atual, acredite que o fazemos pensando no que mais atende aos interesses deste país."

Sean Lansing, executivo operacional chefe da Americans for Prosperity, disse em entrevista: "um diferencial de nossa rede é que queremos trabalhar com essas pessoas sobre essas questões. Queremos ajudar. Acho que existem muitos grupos em nossa esfera que atuam pela pressão. Eles nem sempre usam de incentivos. Nós queremos recorrer aos incentivos. Queremos ver essas políticas serem aprovadas, é para isso que estamos aqui. Não somos um apêndice do Partido Republicano. A questão para nós não é 'republicanos' ou 'democratas'. O importante para nós é ver as questões que nos importam serem promulgadas em leis."

A rede reiterou planos previamente anunciados de gastar US$ 300 milhões - US$ 400 milhões (R$ 966 mi - R$ 1325 mi) com campanhas políticas e sobre políticas públicas no ciclo de 2018, sendo que nas eleições de 2016 desembolsou US$ 250 milhões (R$ 828 milhões).

Emily Seidel, diretora de estratégias políticas da ONG Freedom Partners, que integra a rede, fez uma apresentação no domingo sobre as dificuldades que os republicanos podem enfrentar nas eleições parlamentares de 2018.

"Enfrentamos uma esquerda progressiva revigorada", ela avisou.

Embora haja dez senadores democratas que vão tentar se reeleger em 2018 em Estados conquistados por Trump, Seidel disse: "Nenhum deles será fácil de derrotar".

Crédito: Joe Raedle/Getty Images/AFP MIAMI, FL - JUNE 16: U.S. President Donald Trump speaks about policy changes he is making toward Cuba at the Manuel Artime Theater in the Little Havana neighborhood on June 16, 2017 in Miami, Florida. The President will re-institute some of the restrictions on travel to Cuba and U.S. business dealings with entities tied to the Cuban military and intelligence services. Joe Raedle/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
O presidente dos EUA, Donald Trump

Ela observou que os democratas precisam conquistar 24 cadeiras na Câmara e os republicanos precisam defender 23 cadeiras em distritos em que Hillary Clinton venceu. O Partido Republicano também precisará conservar 27 dos 38 governos estaduais que serão disputados nesse ciclo.

"Nas eleições de metade de mandato desde 1982, o partido do presidente perdeu em média quatro cadeiras no Senado e 20 na Câmara", disse Seidel. "Se isso acontecer em 2018, Chuck Schumer vai virar o líder da maioria e Nancy Pelosi ficará a quatro votos de ser presidente da Câmara. Essas corridas para governador podem acabar determinando o controle da Câmara dos Deputados por dez anos a partir do Censo de 2020."

Seidel destacou a necessidade de a rede começar a gastar desde o início.

"O através do engajamento precoce com a mídia paga que definimos a narrativa", ela explicou. Ela citou o esforço bem-sucedido no Ohio no ano passado para definir negativamente o rival do senador republicano Rob Portman, Ted Strickland, para que então Portman conseguisse levantar fundos suficientes para levar adiante seus próprios anúncios na televisão.

Ela explicou que, a partir do momento em que ocorre a saturação da televisão e do rádio, os programas de base da rede passam a incentivar o engajamento dos eleitores.

Os doadores estão divididos em relação a Trump. Para ser membro da rede do seminário, uma pessoa precisa concordar em contribuir com pelo menos US$100 mil ao ano para causas que têm o apoio da rede Koch.

Esses benfeitores, que se consideram "investidores", estão divididos em relação a Trump. Alguns o apoiam fortemente; outros não se convenceram a votar nele em novembro passado. Mas o tom mais conciliador da rede conserva todos sob o mesmo guarda-chuva, e entre os presentes no encontro do fim de semana que concordaram em ser entrevistados houve um consenso de que eles devem cooperar com a Casa Branca, sempre que isso for benéfico.

Bob Fettig, que dirige uma metalúrgica em Lake Geneva, Wisconsin, acha que o país está finalmente avançando no rumo certo e expressou mais confiança em Trump fazer a coisa certa do que os líderes republicanos no Congresso.

"Muita coisa já foi realizada", ele explicou. "O sistema foi traçado para que seja difícil promulgar leis, de modo que o sistema está funcionando, de certo modo. Acho que Trump está indo muito bem, no sentido de que ele está dando uma sacudida no sistema."

Partidário de longa data do governador Scott Walker, Fettig diz que não tem importância se ele não concorda com Trump 100% do tempo. "O fato de que ele está fazendo o que prometeu fazer... mostra que ele tem algumas convicções e está agindo com base nelas. Confio que Trump vai continuar a avançar, mas será que o Congresso vai colocar as mãos na massa? Trump não é político. São os políticos que continuam a ser políticos."

Chris Rufer, que processa tomates no vale central da Califórnia, votou no candidato libertário Gary Johnson em novembro.

Ele lamentou que os trabalhadores migrantes dos quais sua agroindústria depende estejam com medo de serem deportados por Trump. Ele exporta sua produção para mais de 40 países e contou que um cliente na América do Sul não comprou dele este ano por temer que Trump institua tarifas.

Em vez de ser dado a Rufer, o contrato foi dado a uma firma chilena. Rufer disse que Trump evidentemente não pensa profundamente e que já demonstrou que é incapaz de agir de maneira mais presidencial. Indagado se vai apoiar um rival de Trump nas primárias em 2020, ele riu e disse: "Seria divertido, não?"

Mais que qualquer outra coisa, a rede Koch quer ver uma reforma abrangente do código fiscal concluída enquanto os republicanos ainda exercem o controle unificado do governo. As pessoas estão animadas com os planos de reforma fiscal que a administração Trump divulgou este ano, com alíquotas corporativas mais baixas e alíquotas individuais achatadas.

Mas o alvo principal das ações da rede na frente fiscal nos últimos meses vem sendo conseguir que Paul Ryan desista de apoiar um novo imposto de ajuste de fronteira sobre importações, para financiar reduções em outras áreas. A rede sente que, basicamente, já venceu esta luta no campo político, mas ainda está fazendo pressão para que o presidente da Câmara oficialmente retire a proposta de discussão.

Três parlamentares conservadores, ao lado de Steve Forbes, repisaram essa questão em uma coletiva de imprensa nos bastidores do encontro da rede Koch.

"Tendo conversado com ele pessoalmente, o presidente não é a favor da proposta", disse o deputado republicano Mark Meadows, da Carolina do Norte, presidente do Caucus da Liberdade da Câmara. "Se há uma coisa sobre a qual o presidente está concentrado de maneira muito míope, é realizar a reforma fiscal."

A Americans for Prosperity pretende mobilizar seus ativistas de base neste verão em todos os 36 Estados onde opera, para agitarem em favor de uma reforma do código fiscal.

O grupo quer trabalhar com a administração para ajudar a redigir a reforma, mas também destaca que está muito disposto a atuar fora dela, se for preciso.

"Esperamos não precisar pressionar a administração, porque essa questão é uma prioridade para ela, assim como é para nós", disse Lansing, o executivo operacional chefe da Americans for Prosperity. "Vamos apoiá-la em seus esforços em prol da reforma fiscal porque também achamos que esta é uma oportunidade do tipo que só aparece uma vez em uma geração, mas, se ela não cumprir suas promessas, não consigo imaginar um cenário em que os eleitores voltem dentro de dois anos e digam 'bom trabalho, vamos colocar vocês no governo outra vez'. Nem deveriam."

Tradução de Clara Allain

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