Mesmo derrotado na eleição britânica, Jeremy Corbyn vira ídolo da juventude
No último sábado (24), dezenas de milhares de jovens ocupavam a platéia em frente ao palco principal do Festival de Glastonbury. Em meio aos concertos de Katy Perry, Radiohead e Ed Sheeran foi anunciada uma nova atração. Não se tratava de nenhum pop star, mas ao ouvir seu nome o público entrou êxtase e aplaudiu com enorme entusiasmo. A "celebridade" era a figura anacrônica de um senhor de 68 anos, grisalho e meio desajeitado, um velho político de esquerda –era o líder trabalhista Jeremy Corbyn.
Até menos de um mês atrás, Corbyn era considerado inelegível. Um tiozão excêntrico e sonhador, um idealista cego e retrógrado, desacreditado pela história e pela maioria dos parlamentares de seu próprio partido.
Oli Scarff/AFP | ||
Público do festival Glastonbury ergue bandeira com o rosto do líder trabalhista Jeremy Corbyn |
Seu programa de governo incluía propostas que, por décadas de neoliberalismo, eram consideradas absurdas, como a estatização das ferrovias e dos correios.
Mas um resultado surpreendente das recentes eleições, ditado principalmente pelo voto de milhões de jovens, catapultou o velho Corbyn cansado de guerra a uma inesperada popularidade.
Sua ascensão se deu pelas mãos desta mesma rapeize de Glastonbury, que tradicionalmente não votava, mas, depois de ter-se sentido traída pelo plebiscito do 'brexit', decidiu em massa participar do debate político. Ele, de repente, começou a fazer muito sentido.
Com ar de "prime minister in wating" [aguardando para se tornar premiê], Corbyn pegou o microfone e o público silenciou.
É surpreendente como sua retórica, que evoca a mais surrada ortodoxia de esquerda nos tempos da Guerra Fria, toca fundo coração jovens. Parte deste público também é formada por idealistas cansados do topete e do cinismo de Donald Trump e das meias verdades dos tailleurs oportunistas de Theresa May.
De forma simples e muito direta, Corbyn atacou o neoliberalismo selvagem, o militarismo e a xenofobia. Defendeu a saúde pública e a educação gratuita, o ambientalismo e os direitos de imigrantes e das mulheres.
Dylan Martinez/Reuters | ||
Líder trabalhista Jeremy Corbyn discursa no palco do festival Glastonbury |
Com este conúbio da esquerda histórica e da juventude decidida a encontrar uma saída diferente para os problemas do mundo, podemos estar vendo o começo do fim da era neoliberal iniciada por Margareth Thatcher nos anos 1980 e perpetuada por Tony Blair e os almofadinhas do New Labour.
Entramos num território inexplorado, mas parece que estamos assistindo a uma revolução. Esta possível insurreição ainda não foi batizada e está apenas vivendo seus motes iniciais.
Seus objetivos e consequências ainda não são totalmente claros, os campos de batalha ainda não foram definidos e muitos dos protagonistas ainda não se revelaram como tais. Mas, como uma grande e incessante onda que se forma em mar bravo, ela é irreversível e promete alastrar-se para muito além das fronteiras do Reino Unido.
Com a presença de Jeremy Corbyn, de repente Glastonbury em 2017 ficou com muita cara de Woodstock em 1969. Contracultura, pacifismo e resistência anticonsumista agora pairam no ar do tórrido verão londrino.
O sonho, que segundo John Lennon teria acabado há quase meio século, parece de repente ter voltado do oblívio para ser sonhado mais uma vez.
HENRIQUE GOLDMAN é cineasta. Dirigiu, entre outros, o longa "Jean Charles" (2009)
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