Chegada à Presidência deixa hotéis e campos de golfe de Trump vazios

DAVID A. FAHRENTHOLD
ROB KUZNIA
DE "THE WASHINGTON POST"

No clube de golfe do presidente Donald Trump no sul da Califórnia, há uma cancha de treino sobre um penhasco com uma maravilhosa vista azul do Pacífico. Há espaço para 24 jogadores.

Mas em uma tarde recente só havia um. E ele jogava com um peso na consciência. "Sinto como se estivesse enganando minha mulher", disse Richard Sullivan, um médico de 59 anos.

A mulher dele é uma adversária feroz da política do presidente. Ela recentemente apanhou Sullivan com uma garrafa de água com o logotipo do clube de Trump. "Nunca mais vá ao Trump", ela ordenou. Sullivan tinha parado de jogar partidas de US$ 300 aqui, mas acabou voltando às escondidas.

Com frequência encontra o lugar vazio. "Fica morto o tempo todo", disse Sullivan.

Há dois anos Donald Trump vem realizando uma experiência americana inédita. Um homem pode ser a face de um movimento político polarizador e também um empresário de sucesso no ramo da hotelaria?

Certamente, algumas partes do império de Trump deverão se beneficiar de seu novo poder. Seu clube Mar-a-Lago serve como "Casa Branca de inverno", onde hóspedes pagantes podem assistir a uma reunião de segurança nacional se desenrolar durante o jantar. Trump tuitou diversas vezes de seu clube em Bedminster, Nova Jersey, no último fim de semana, promovendo o torneio que ocorria lá.

Mas em Los Angeles a experiência não parece estar dando certo. Desde que Trump entrou na corrida presidencial, em junho de 2015, a receita das taxas de jogo em seu clube de golfe no município caiu 13%, segundo números da Prefeitura.

Os torneios de golfe beneficentes, outra peça chave nos negócios do clube, foram embora: a ESPN mudou o local de seu torneio de celebridades. O time de futebol Los Angeles Galaxy se retirou. O Distrito Escolar Unificado também se mudou, dispensando um depósito de US$ 7.500 que tinha feito ao clube de Trump.

Hollywood, outra fonte de renda do clube, em geral parou de gravar ali programas e filmes, segundo registros de permissões da Prefeitura.

E o negócio de casamentos do clube também parece ter sido afetado. Os casais costumavam fazer grandes cerimônias ao ar livre num parque público do outro lado da estrada, depois voltavam ao Trump National para a recepção.

Ninguém fez isso desde novembro, segundo registros da Prefeitura.

Os problemas no clube de Los Angeles refletem os que foram relatados em algumas outras propriedades de Trump. Somados, eles ilustram um efeito colateral inesperado da Presidência: em certos casos, é um desafio vender a marca do presidente sem oferecer a proximidade da Presidência propriamente dita.

Em Manhattan, o negócio de banquetes caiu no Trump SoHo Hotel, segundo a rádio WNYC. No Bronx, a receita do golfe e dos banquetes diminuiu no clube de golfe de Trump, segundo registros divulgados pela Prefeitura de Nova York.

"The Washington Post" procurou quatro diretores da Trump Organization com perguntas sobre o clube da Califórnia. Só um respondeu. "David, por favor pare de me procurar. Obrigado", escreveu em um e-mail Eric Trump, o filho do presidente.

Os desafios que o clube de golfe de Trump enfrenta podem ser vistos em uma série de registros públicos fornecidos pela cidade de Rancho Palos Verdes, na Califórnia, e pelo Condado de Los Angeles, que recolhe impostos do clube e emite autorizações para algumas atividades lá.

Juntos, eles oferecem um retrato de um negócio que parece estar tendo dificuldades sob o peso de seu nome.

O clube de golfe de Trump fica sobre penhascos no Pacífico, a cerca de 50 km ao sul de Los Angeles. A área é fortemente democrata, representada no Congresso por um feroz crítico de Trump, o deputado Ted Lieu.

Desde que Trump ganhou a eleição, o clube foi o cenário de pequenos atos de desafio —o "Hollywood Reporter" relatou que viu alguém urinando na placa— e de um grande e custoso ato de vandalismo.

Em março, o clube de Trump foi vandalizado por pessoas que se diziam ativistas ambientais, que escavaram as palavras "Chega de Tigers. Chega de Woods" na grama próxima ao 5º buraco. O crime, que não foi solucionado, causou um prejuízo de US$ 20 mil, segundo o departamento de polícia.

Trump disse que gastou US$ 27 milhões para comprar esse campo e mais de US$ 250 milhões para reformá-lo e reabri-lo em 2006. Sob o dono anterior, o 18º fairway ["corredor" que leva ao buraco] tinha despencado no mar.

"O campo de golfe mais caro já construído", como disse Trump. Diferentemente dos outros clubes de Trump, ele é aberto ao público, em vez de ser limitado aos sócios pagantes.

O campo tem algumas desvantagens que antecedem a ascensão política de Trump. Ele é extremamente difícil, com fairways estreitas e rajadas de vento do oceano que desviam as tacadas. E custa US$ 300 por jogador. Um campo da Prefeitura próximo cobra US$ 45 por rodada.

"A maioria das pessoas não joga nele regularmente. É uma experiência de golfe única" para turistas ou jogadores que procuram um local excêntrico, disse Gene Krekorian, um avaliador de campos de golfe da Califórnia. "É um lugar espetacular, mas muito caro."

HOLLYWOOD

Mas o campo de Trump encontrou outras maneiras de faturar.

Hollywood, por exemplo, não se importava com a qualidade do jogo no campo, apenas com seu visual. Quando o seriado da rede de televisão ABC "Modern Family" precisou de uma locação para uma cena em que um clube de golfe luxuoso recebia um casamento gay, o Trump National fez o papel.

O drama de televisão da CBS "Criminal Minds" transformou a sede do clube em uma falsa embaixada dos EUA no Caribe. No filme "Quero Matar Meu Chefe 2", um grupo de idiotas discutia perto de um buraco de golfe.

Em um comercial de seguros da Geico, um homem das cavernas batia com um carrinho de golfe. Até os comerciais de TV pagavam bem —cerca de US$ 20 mil por dia de gravação, segundo um produtor que filmou lá.

Mas pouco depois Trump entrou na corrida presidencial com uma retórica populista incendiada e discursos atacando os imigrantes ilegais. Isso pegou mal com os clientes que ele tinha cultivado para seu campo de golfe na Califórnia: Hollywood, atletas, californianos ricos e jovens que planejavam casamentos.

Em um mês a ESPN tinha cancelado, assim como o distrito escolar, cujos alunos são 74% latinos. "Não havia absolutamente motivo para realizar nosso maior evento para angariar fundos em um local de Trump", disse uma autoridade. O Los Angeles Galaxy disse que os comentários de Trump "não refletem os valores de respeito e diversidade do nosso clube".

"Era um ótimo lugar. E nossos torneios de golfe não foram os mesmos desde então", disse Andy Bales, um pastor cristão que lidera a missão Union Rescue em Los Angeles.

Seu grupo realizava torneios de golfe no clube de Trump todos os anos desde 2011. Em 2016 eles pararam. "Tornou-se uma grande controvérsia para nossos doadores –alguns de nossos doadores– e os membros do nosso time continuarem a usar essa propriedade."

Ao todo, 12 torneios ou eventos beneficentes deixaram de se realizar no clube de Trump em 2015 ou 2016, segundo uma pesquisa do "Post" de grupos que tinham realizado eventos lá anteriormente.

Nem todos citaram a política em suas decisões. Mas todos se foram, privando o clube de Trump de pelo menos US$ 250 mil em taxas de locação e de alimentação, segundo entrevistas e uma análise de registros do Imposto de Renda.

No mesmo período, as autorizações da Prefeitura para filmagens no Trump National também mostraram uma queda. Houve 28 emitidas em dois anos antes de Trump entrar na disputa eleitoral. Nos dois anos seguintes, somente 11.

"Recebemos muitas críticas por filmar lá. Você sabe: 'O que você está fazendo?' Há muitos democratas no meu ramo", disse Kent Feuerring, um produtor que ajudou a arranjar uma dessas gravações, um comercial de TVs Samsung feito no clube em fevereiro de 2016.

Nos meses desde que Trump tomou posse, só duas empresas obtiveram autorização para filmar no clube. Não eram grandes produções de Hollywood. Houve um anúncio de uma empresa de clubes de golfe japonesa, voltado para o mercado japonês. O outro foi um anúncio da Munsingwear, mostrando "ação exterior e diálogo com jogadores de golfe", segundo uma autorização da Prefeitura.

Não está claro o que estava sendo anunciado. Uma porta-voz da empresa não respondeu às perguntas. Os produtos Munsingwear parecem incluir roupas para golfe e uma linha de roupas íntimas masculinas.

Outro barômetro do sucesso: as autorizações emitidas pela cidade para casamentos ao ar livre em um parque com vista para o mar, ao lado do clube de golfe, de onde os casais voltam ao Trump National para a recepção.

Estes são apenas um subconjunto dos casamentos realizados no clube —os casais geralmente usam o parque municipal para cerimônias maiores. Antes de Trump entrar na política, o clube fazia em média 17 desses casamentos por ano. Quando ele era candidato, em 2016, o número caiu para 11. Até agora neste ano é zero. Nenhum foi emitido desde novembro.

Crédito: Mike Ehrmann - 10.mar.2013/Getty Images/AFP Tiger Woods se prepara para lançar a bola em campeonato de golfe em resort de Trump na Flórida
Tiger Woods se prepara para lançar a bola em campeonato de golfe em resort de Trump na Flórida

CAMPOS VAZIOS

Até atrair pessoas para jogar golfe parece difícil hoje.

No mesmo dia em que Sullivan jogava sozinho na cancha de tacadas de Trump, Sherry Park, 30, de West Hollywood, praticava em Los Verdes, o campo rival do de Trump.

"Sou uma liberal radical, por isso não posso ir lá", disse Park. O campo de Trump é "lindo", acrescentou ela. "Se ele não fosse presidente, eu iria sem dúvida."

A receita do clube de Trump com taxas de jogo e aluguel de carrinhos caiu cerca de 12%, de cerca de US$ 3,3 milhões antes de Trump entrar na disputa para cerca de US$ 2,9 milhões em cada um dos últimos dois anos.

Esses números podem ser calculados pelo dinheiro que a Prefeitura de Rancho Palos Verdes recebe de seu "imposto do golfe", uma tarifa de 10% sobre essas taxas.

No mesmo período, os campos de golfe no sul da Califórnia experimentaram um ligeiro aumento nos negócios, segundo Craig Kessler, da Associação de Golfe do Sul da Califórnia, contando com números fornecidos pelos campos de golfe públicos de toda a região. Por isso o declínio do clube de Trump não parece se equiparar à tendência geral.

"Ele ficou abaixo do mercado desde 2015", disse Kessler. "Exatamente no momento em que o resto da indústria começava a ver uma recuperação... ele parece ter entrado em declínio."

Em um sábado de verão recente, era fácil avistar sinais dos problemas do clube de Trump. Pouco antes das 19h, por exemplo, o calendário on-line do campo mostrava que 40 dos 65 horários ainda estavam disponíveis.
Mais tarde na mesma noite —quando os clubes de golfe se tornam polos sociais aqui—, o contraste era ainda mais evidente.

Em Los Verdes, a sede do clube fervia com preparativos para uma festa de casamento. No Terranea Resort, outro clube próximo, havia uma recepção de casamento, uma banda ao vivo e um parapsicólogo se apresentando para uma multidão. Carros circulavam pelo estacionamento à procura de vagas.

No clube de Trump, apenas um quarto do estacionamento estava ocupado. Os salões de festas estavam vazios e silenciosos. Nada de casamentos. No restaurante chique do clube, com seus filés de US$ 56, um tecladista tocava música suave para duas pessoas.

Ali perto, no Golfers' Lounge, cheio pela metade, estava Steve Patrick, 60, dono de um bar na cidade de trabalhadores de San Pedro, na Califórnia. Ele foi um apoiador de Trump —e um cliente de Trump, num lugar onde ambos são raros.

"Ele é o presidente mais perseguido que já houve na história dos EUA", disse Patrick.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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