Exercício militar russo cria tensão e deixa países da Otan em alerta

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

Em menos de três semanas, a Rússia de Vladimir Putin começará o mais antecipado exercício militar desde o fim da Guerra Fria. Seu nome em russo dá a senha do burburinho em torno da manobra: Zapad, ou Ocidente.

Os países da fronteira oriental da Otan, a aliança liderada pelos Estados Unidos, estão em estado de alerta. Polônia e Lituânia dizem temer que as manobras sejam o prenúncio de ações contra a Ucrânia ou os Estados Bálticos, e preveem movimento de até 100 mil soldados.

Os russos, por sua vez, descartam a reação como histeria e propaganda. Dizem que só participarão com 3.000 de 12.700 soldados mobilizados, deixando o grosso das tropas por conta de Belarus, o país onde ocorrerão as principais simulações quadrienais.

O número roça os 13 mil previstos para notificação e acompanhamento compulsório pela Organização para Segurança e Cooperação da Europa, que a Rússia integra, o que aguça suspeitas.

Em 2008, a guerra com a Geórgia incluiu tropas usadas num exercício no Cáucaso. Seis anos depois, a Crimeia foi anexada logo após uma mobilização relâmpago do Distrito Militar Meridional.

Analistas ouvidos pela Folha veem realidades com matizes distintas. "Os países do Leste Europeu precisam exagerar o conflito com a Rússia para conseguir mais ajuda", diz Mikhail Barabanov, editor da publicação russa "Informe de Defesa de Moscou".

Desde que o americano Donald Trump cobrou que membros da "obsoleta" Otan atinjam o gasto desejável de 2% do PIB em defesa, países do Leste vêm aumentando o desembolso. E a aliança ampliou a presença nesses locais.

Desde o ano passado, mais de 4.000 soldados estão nos bálticos e na Polônia. Bateria antimíssil que existe na Romênia será instalada em solo polonês em 2018. Caças aliados patrulham o espaço aéreo báltico, que não tem Forças Aéreas dignas do nome.

Já os EUA poderão deslocar mísseis Patriot para a Estônia durante o Zapad-2017.

"É preciso checar a capacidade operacional das tropas onde há concentração de forças da Otan. Ela gasta 15 vezes mais que a Rússia em defesa. É óbvio que o envio dessas tropas ameaça a Rússia, já que elas são a linha de frente para um deslocamento maior", afirma Barabanov.

A área do Báltico é nevrálgica. Em 2016, caças ocidentais interceptaram aparelhos russos em 800 ocasiões, o dobro do que em 2015.

FANTASMA NUCLEAR

"Para mim, a Rússia vem se preparando para guerra com a Otan, incluindo o uso de armas nucleares táticas", disse Gary Samore, responsável pelo programa de armas de destruição em massa da Casa Branca de 2009 a 2013.

Mas ele crê que nem Putin nem o Ocidente desejem a guerra. O motivo óbvio: o uso de armas nucleares, no caso de sua frase aquelas de emprego contra tropas ou instalações de linha de frente.

Ucrânia e Geórgia eram assediadas pela Otan, mas não a integram. Já uma ação contra países do Leste pertencentes à aliança poderia invocar a defesa de um membro.

"Qualquer guerra escalaria para um conflito nuclear, maciço, catastrófico", sustenta Barabanov. Ele diz duvidar, contudo, do relato de que a edição 2009 do Zapad acabou com a simulação da vaporização atômica de Varsóvia.

"A escalada na Ucrânia é possível, assim como uma mudança de regime e ocupação de Belarus", opina o ex-embaixador da Estônia nos EUA Kalev Stoicescu, do Centro Internacional para Defesa e Segurança, de Tallinn.

Ele insere na equação o parceiro da Rússia no Zapad, que vive um paradoxo. O regime autocrático de Alexander Lukashenko é aliado de Putin, mas fez aberturas recentes ao Ocidente que repercutiram mal em Moscou.

Mesmo que um golpe mais radical não ocorra, há outras hipóteses. A Rússia já mantém caças e radares em solo bielorrusso, e há o temor na Otan de que o Kremlin "deixe para trás" equipamento visando a ações futuras na região.

Pelo sim, pelo não, Lukashenko convidou sete países da Otan na semana passada como observadores das manobras, restando saber qual acesso eles terão realmente.

Seu país serve de tampão entre Rússia e Otan, e poderia ser ponta de lança de uma operação para ligar essa área ao encrave russo de Kaliningrado, espremido entre Lituânia, Polônia e o mar Báltico.

A região possui sistemas de defesa que "fechariam" o espaço aéreo num raio de 400 km e foguetes Iskander-M, com capacidade nuclear.

Entre os dias 14 e 20 de setembro será conhecida a verdade. A tragédia temida no Leste parece improvável, mas será mais um capítulo nas tensões renovadas entre a Rússia de Putin e o Ocidente.

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