Regime norte-coreano quer forçar China a negociar com Trump

RAUL JUSTE LORES
DE SÃO PAULO

Somente a China tem o poder de convencer Donald Trump a negociar —e ser razoável— com a Coreia do Norte. É o que guia o calendário dos testes nucleares do ditador Kim Jong-un, sempre em datas sensíveis para a diplomacia chinesa. Kim quer forçar os chineses a serem mais pró-ativos com os americanos, nem que seja à base de constrangimento.

Esta última explosão ajudou a ofuscar a cúpula dos Brics, quando o presidente chinês Xi Jinping recebe em casa os líderes de Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Em maio, no último teste nuclear, Xi era o anfitrião de 29 chefes de Estado e de governo para a cúpula que anunciava uma "nova Rota da Seda", financiada por Pequim.

A partir de 18 de outubro, acontece o principal congresso do Partido Comunista chinês, que acontece a cada cinco anos. Xi pretende ampliar seu poder interno. O vizinho Kim tem pressa.

Risco coreano
Entenda a crise

A China tem demonstrado que já perdeu a paciência com a ditadura comunista que ajudou a implantar durante a Guerra da Coreia (1950-53). Mas é cautelosa. Não quer que um colapso da dinastia da família Kim atraia 20 milhões de famintos norte-coreanos para seu território.

Os dois países têm uma fronteira bastante porosa de 1.416 km, maior que a do Brasil com a Argentina ou com o Uruguai, ao contrário da militarizada divisa com a Coreia do Sul.

A superpotência asiática tampouco quer ver tropas americanas cada vez mais perto de seus domínios, algo que facilmente aconteceria se o governo do Norte ruir e for anexado pela Coreia do Sul. Pouca coisa tira mais do sério o politburo chinês que estrangeiros fazendo um cerco ao país.

A imprensa oficial chinesa fez os malabarismos habituais para demonstrar que "opõe e condena mais uma escolha errada de Pyongyang", descreveu o nacionalista Global Times, ao mesmo tempo em que sugere "sobriedade" e "contenção" a Pequim.

"Devemos evitar medidas extremas, como um embargo total. É incerto que cortar o fornecimento de petróleo ou fechar a fronteira detenha o programa nuclear e o lançamento de mísseis", diz o editorial do jornal, porta-voz do Partido Comunista chinês.

O editorial ainda explica que a causa para os norte-coreanos almejarem a capacidade nuclear é a própria sobrevivência do regime norte-coreano, "pela insegurança causada pela aliança entre Washington e Seul".

Em contraste com o discurso nacionalista e xenofóbico de Donald Trump, Xi sublinhou aos colegas dos Brics a importância das Nações Unidas para mediar o conflito. O governo chinês não quer um conflito que transfira as responsabilidades de Washington e Seul para Pequim.

Jornais estatais chineses destacaram a ameaça à segurança nuclear e ambiental de quatro grandes províncias chinesas na vizinhança da detonação. Juntas, Liaoning, Jilin, Shandong e Heilongjiang têm 210 milhões de habitantes, mais de 15% da população do país. A distância entre Pequim e Pyongyang é pouco maior que a de São Paulo a Florianópolis. Vai ser difícil para Xi dizer que não tem nada a ver com isso.

Crédito: AMEAÇA CRESCENTEMísseis norte-coreanos têm potencial de atingir o Alasca, segundo Pyongyang
Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

ENTENDA
O desafio norte-coreano

*O que o teste significa?
> Um teste bem sucedido mostraria que a Coreia do Norte sofisticou seu programa nuclear e que está mais perto de produzir uma ogiva adaptável a um míssil de longo alcance, capaz de atingir a parte continental dos EUA

> Os testes debaixo da terra, que provocaram tremores percebidos na Coreia do Sul e na China, foram os primeiros em que a Coreia do Norte ultrapassou o poder de destruição das bombas de Hiroshima e Nagasaki, da Segunda Guerra Mundial

> Se o país asiático for capaz de produzir uma bomba H, isso pode abrir caminho para ogivas muito mais destrutivas e compactas, o que resolverá o problema de seus estoques limitados de urânio enriquecido

O que esperar?
> Analistas vão estudar as ondas decorrentes dessa explosão. Eles também buscarão indícios de gases nucleares que podem estar se dissipando na atmosfera para poder avaliar se o teste foi mesmo com uma bomba de hidrogênio

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