Percorri os quartos, pegando só o insubstituível, diz brasileira em Miami
Quando um colega perguntou se eu tinha água e comida estocados para o furacão, dia 4, respondi envergonhada: "O Irma vem mesmo?''.
Pensei que seria como o furacão que em 2016 devastou parte do Caribe e do sudeste dos EUA, mas não passou de tempestade na Flórida.
O governador Rick Scott declarara emergência e mobilizara uma rede de abrigos no sul do Estado. Olhei o relógio e corri para a loja de departamentos próxima, fazendo uma lista mental: água, descartáveis, pilhas para lanternas, comida em lata, leite em pó, pasta de amendoim, lenços umedecidos. Já tinha estoque de papel higiênico e kit de primeiros socorros.
Gelei quando vi as prateleiras de água vazias. Também não achei pilhas. Mas meu marido havia conseguido um filtro e um tanque para estocar água potável.
Pedi para ele separar os documentos, enquanto eu sacava dinheiro. Enchi o tanque do carro. Na terça (5), as pessoas estavam preocupadas, mas sem pânico. Vi filas em postos de gasolina, alguns com policiais que proibiam garrafões para estocar combustível. E procura por água. À tarde, já se noticiava que o Irma chegaria à Flórida.
À noite, pensei na possibilidade de perder tudo. Percorri os quartos com um saco catando o insubstituível: fotos e objetos que lembravam a família. Ficaria em casa. O Irma poderia mudar sua rota.
Na quarta (6), vieram as ordens para esvaziar as ilhas Key e a possibilidade de inundação em áreas próximas. Passei duas horas tentando um voo a preço razoável para deixar Miami com minha filha —meu marido, também jornalista, ficaria para trabalhar. Fora uma passagem para a Islândia, nada.
Reservei hotel em Orlando. Pegaria minha filha na escola e seguiria. Mas vi alertas sobre estradas lotadas e decidi esperar. Naquela noite, porém, as previsões apontavam uma tempestade monstruosa que afetaria todo o Estado. Consegui um hotel quase no Alabama. Encararia 10 horas de estrada na quinta (7). Meu marido, que iria se abrigar em um hotel por determinação da empresa, prepararia a casa: proteger janelas, encher sacos de areia, guardar os móveis do pátio.
Com as estradas paradas e relatos de falta de gasolina, recuei. A família junta, em um hotel com gerador em local mais alto, era o melhor.
O governador aparecia o tempo todo na TV dizendo que seria o maior desastre que a Flórida já tinha visto.
Estávamos prontos para deixar nossa casa com duas malinhas e mantimentos. Momentos antes de sairmos, uma amiga me avisou que a American Airlines abrira voos extras. Consegui passagem para Dallas no último voo. Dei uma última olhada na casa, tirei uma foto das plantas e corremos para o aeroporto.
Chegamos em Dallas de madrugada e logo fomos para um hotel próximo, já planejando seguir até a casa da minha irmã em Chicago.
Consegui um vôo no sábado (9), e passei o dia em Chicago grudada no noticiário e redes sociais, boquiaberta com as imagens.
De sábado para domingo (10) fiquei o dia conversando com meu marido. Assim que ele pôde sair, foi dar uma olhada na região e pedi para ele me mandar imagens da nossa casa. Estava tudo intacto, com o telhado no lugar, e nenhum sinal de entrada de água pela garagem. E o mais importante para mim: as árvores do quintal resistiram, inclusive os coqueiros e limoeiros plantados há mais de 30 anos pelos primeiros moradores.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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