Mostra busca desmistificar figura de Mata Hari, 100 anos após sua morte

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

Mata Hari. A menção ao nome evoca uma história de aventuras da cortesã e dançarina exótica que se converteu em espiã na Primeira Guerra Mundial (1914-18), sendo executada há cem anos por seus serviços ao Império Alemão.

Certo? Nem tanto. Como a bibliografia biográfica recente explorou e uma nova exposição condensa, a personagem estava mais para uma vítima de seus erros.

"Os elementos do mito, a espiã, a dançarina, são o que a maioria das pessoas acha que sabe. Mas ela era bem mais que isso: uma criança que teve muitas experiências negativas, uma mãe que perdeu o filho e teve de fazer várias escolhas difíceis", afirma, por e-mail, Yves Rocourt.

Ele é o curador da mostra "Mata Hari - O Mito e a Donzela", aberta neste sábado (14) no Museu da Frísia, em Leeuwarden (Holanda), cidade natal de Margaretha Geertruida Zelle —a Mata Hari.

A exposição recolhe reminiscências de sua infância na cidade, onde nasceu em 1876, filha de um lojista, e de sua trajetória posterior.

Como conta uma de suas mais argutas biógrafas, a americana Pat Shipman, ela era tratada como uma "princesa", condicionada a buscar atenção o tempo todo. Sofreu a falência e o divórcio dos pais, além da morte da mãe quando tinha 15 anos.

Aos 16, teve seu primeiro caso rumoroso, com o diretor da escola local, 51. Dado o ambiente patriarcal da época, previsivelmente, ela pagou o preço do escândalo e foi expulsa da escola.

CASAMENTO

Zelle encontrou por meio de anúncios de jornal o capitão Rudolph McLeod, 22 anos mais velho e um alcoólatra violento. Casaram-se e foram morar na Indonésia. A jovem não gostou da vida de casada e colecionou casos.

Acabou tendo dois filhos, Norman e Nonnie. O primeiro morreu aos dois anos, talvez por overdose do mercúrio usado para tratar a sífilis congênita que herdou do pai.

O fato arrasou a união, não menos porque Zelle acusou McLeod pela doença do filho. Eles voltaram para a Holanda e se separaram, e o ex-militar publicou em jornais aviso para que ninguém vendesse a crédito à jovem de hábitos perdulários.

Sozinha e quebrada, teve de entregar a filha a Rudolph. Restava usar os talentos que tinha à mão. Em 1903, a Meca da luxúria europeia era Paris. Dançando e se prostituindo, criou a Mata Hari, cujo nome significa "aurora" em algum dialeto indonésio.

Ela adicionou ao strip-tease que fazia toques de misticismo oriental, inventando histórias sobre como havia sido criada em um templo na selva em Java, e virou sucesso em toda a Europa.

De apresentações privadas a casos cada vez mais numerosos com ricaços, Mata Hari construiu sua fama. Usualmente nua ao fim das danças, nunca retirava o sutiã ornamentado: considerava seus seios muito pequenos.

A carreira foi errática, contudo. Em maio de 1914, ela conseguiu um bom contrato em Berlim. Três meses depois, a guerra estourou e ela teve de voltar à Holanda, logo ocupada pela Alemanha.

A SERVIÇO DE BERLIM

Miserável, foi visitada por um diplomata alemão, que lhe ofereceu dinheiro para virar espiã de Berlim —o que ela aceitou sem pensar, mas, segundo seus biógrafos, sem executar a função de fato.

Seja como for, passou a ser seguida por serviços de espionagem dos Aliados quando voltou a Paris. "Expomos relatórios dos agentes que a seguiam", diz Rocourt.

Mata Hari retomou sua carreira nos palcos e camas da cidade. Em 1916, tudo mudou. Ela se apaixonou por um capitão russo, Vadim, 18 anos mais novo. O militar estava estacionado com os franceses na região de Vittel, perto do front, e ela precisava de um passe para visitá-lo.

Encontrou ajuda com Georges Ladoux, chefe da inteligência militar francesa. Ele concordou em lhe dar o passe em troca de espionagem.

Na volta a Paris, ela foi enviada para seduzir o governador militar alemão da Bélgica. Não deu certo, e ela acabou na Espanha, onde buscou mostrar serviço nos braços de um oficial alemão.

Quando Mata Hari apresentou um relatório sobre manobras secretas para Ladoux, a situação se voltou contra ela.

Segundo afirma Shipman, ela foi vítima de uma caça às bruxas misógina ao estilo medieval, tendo a fama jogada contra si. Rocourt prefere não usar termos como feminista ou libertária para defini-la. "Era um produto de seu tempo. Evito rótulos modernos."

Em fevereiro de 1917, ela foi presa num processo que a Justiça francesa admitiu ser falho 30 anos depois. Em 15 de outubro, vestida elegantemente, acabou fuzilada num bosque perto de Paris, após jogar um beijo para o padre e outro para seu advogado. "A criação do mito começou com ela", sustenta o curador.

Coube a Hollywood eternizar a figura, a partir do papel de Greta Garbo em "Mata Hari" (1931). Desde então, houve cerca de 50 filmes e séries de TV sobre a espiã ou baseados livremente em sua vida.

Não só. Em 2016, foram lançados um livro com correspondências inéditas e um romance de Paulo Coelho ("A Espiã") sobre ela. Morta há cem anos, a Mata Hari ficcional segue bem viva no imaginário ocidental.

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