Golpe não é a resposta para tumultuosa sucessão no Zimbábue

DO "FINANCIAL TIMES"

Há um tom de tragédia iminente e inevitável na crise cada vez mais profunda no Zimbábue. Um ditador envelhecido, encorajado por uma mulher voluntariosa com metade da sua idade, se volta contra um companheiro com quem já dividiu atribulações da guerra de independência.

Os oficiais mais graduados do Exército se unem em torno de seu amigo caído —o vice-presidente Emmerson Mnangagwa— e advertem o tirano fragilizado de que, se continuar o expurgo dos veteranos de guerra de libertação, eles intervirão.

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

Essa é uma medida sem precedentes, e que indica como as coisas estão perto de sair do controle.

O regime de Robert Mugabe está chegando a um fim confuso. Enquanto a outrora monolítica União Nacional Africana Zimbabuana se fratura, o espectro de um colapso da lei e da ordem cresce.

Mas não precisa ser assim. Diante das dificuldades para as quais foram arrastados os zimbabuanos durante os últimos dos 37 anos de domínio de Mugabe —o caos econômico, a hiperinflação, a corrupção e a brutal violação de direitos humanos—, é uma espécie de milagre que o país não tenha desmoronado. Ainda pode haver conserto.

Não há tensões religiosas para complicar a tarefa. O país tem uma força de trabalho capacitada e instruída. Sua infraestrutura, estradas, ferrovias e comunicações são invejáveis pelos padrões do continente.

E há uma diáspora de pelo menos um milhão de pessoas no Reino Unido e na África do Sul que desejam voltar ao país e que poderão trazer o talento e o capital necessários para a reconstrução.

Acima de tudo, os militares precisam ser incentivados a continuarem nos quartéis. Garantir o pagamento de seus soldos seria um início.

REFORMA

Mas, de forma mais ampla, os benefícios da reforma precisam ser explicados claramente. Do mesmo modo, a população comum precisa ter um plano para o futuro.

De qualquer modo, um golpe não é a resposta para a crise provocada pela batalha sucessória que está em curso.

Tampouco é deixar à mulher de Mugabe o caminho livre para uma presidência dinástica, cenário que começou a parecer plausível quando o poder dela sobre o marido cresceu, enquanto seus potenciais rivais, como Mnangagwa, eram removidos do caminho.

Como há muito em jogo, é surpreendente que instituições regionais e continentais não tenham reagido antes. A população sofredora do Zimbábue deve decidir o que acontecerá a seguir. Mas ela merece saber que o mundo está disposto a ajudar.

Alguém com a estatura de Olusegun Obasanjo, o ex-presidente da Nigéria, deveria liderar um grupo de pessoas eminentes apoiado pela União Africana para avaliar as necessidades do país e as exigências de ajuda alimentar, mas também olhar adiante.

Isso significa elaborar um programa que coloque novamente livros nas escolas, remédios nas clínicas e sementes nos campos. O Reino Unido, antiga potência colonial, deveria manter um perfil discreto. Mas poderia se oferecer para coordenar.

Mugabe aceitaria essa iniciativa? Possivelmente não. Mas isso não deve ser um empecilho. Afinal, esta é mais que uma crise no Zimbábue. Se houver uma conflagração, ela afetaria os 287 milhões de pessoas que vivem no sul da África. Oferecer esperança, nesta etapa crítica, será mais eficaz que oferecer um conselho de desespero.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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