ESTELITA HASS CARAZZAI
DE WASHINGTON

Um eventual impeachment do presidente dos EUA, Donald Trump, ainda pertence ao plano das possibilidades na política. Mas, se a causa ainda não ganhou contornos de urgência no Congresso, o mercado está em polvorosa.

Pelo menos três livros foram lançados no país neste ano, numa tentativa de explicar o tema ao público-geral.

Pela internet, vendem-se souvenirs como canecas com o tema "Faça a América Grandiosa Novamente: Impeach Trump", balinhas apelidadas de "impeachmints" e uma sugestiva "vela perfumada do impeachment". "Você está sentindo um cheirinho de impeachment no ar? Tomara que sim", diz a embalagem.

Aos brasileiros, o conceito é familiar. Mas os EUA nunca tiveram um presidente impedido, apesar de três processos já terem tramitado no Congresso ao longo da história.

"O povo americano raramente se concentra nisso. O que é bom. De certa forma, é ótimo. O impeachment é um remédio a ser usado como último recurso", escreve Cass Sunstein, professor de Direito em Harvard e autor do livro "Impeachment, um guia para o cidadão" (em tradução livre), lançado em outubro.

Ao longo de 2017, três deputados democratas entraram com pedidos de impeachment contra Trump. Mas os líderes da oposição ainda não encampam abertamente a causa, e dois dos requerimentos não iniciaram a tramitação oficial no Congresso.

Entre os motivos elencados para a saída de Trump estão um suposto conluio com os russos na eleição de 2016; obstrução da Justiça na investigação do FBI sobre o caso; a reação aos protestos supremacistas em Charlottesville, que acabaram em morte; e até os polêmicos tuítes do presidente, pela tentativa de minar a independência do Judiciário e da imprensa.

Os desdobramentos da investigação no FBI, que incluíram a demissão do diretor da polícia federal americana, James Comey, são as que mais animam a oposição e geram maior consenso entre especialistas sobre as bases para um pedido de impeachment por obstrução da Justiça.

Para Sunstein, porém, que não chega a mencionar Trump em seu livro, nem tudo justifica a saída de um mandatário. "A intensa oposição política não é causa suficiente para um impeachment", afirma o professor.

Na sua análise, mesmo os processos contra os presidentes Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998 –que chegaram a ser aprovados pela Câmara, mas acabaram arquivados pelo Senado–, eram inconstitucionais e foram movidos "por pessoas que estavam determinadas em derrubar um presidente que desprezavam". A exceção é o pedido contra Richard Nixon, em 1974, que acabou renunciando.

Segundo ele, o impeachment deve ser usado como uma salvaguarda da República, contra abusos de autoridade pelo mandatário ou crimes contra o país, que comprometam a sustentabilidade da democracia.

O livro de Sunstein esteve entre os mais vendidos em Washington, junto com "O Caso para Impeachment", do historiador Allan Lichtman.

Este último, lançado em abril, é menos sutil em sua abordagem. O autor, que aposta que o impeachment irá ocorrer até o final de 2018 ano, deve lançar uma segunda edição da obra no fim deste mês –desta vez, com uma foto de Trump na capa.

O livro de Lichtman cita seis motivos que resultariam no impeachment. Entre eles estão abuso de poder no veto de viagens de cidadãos de países islâmicos, e crime contra a humanidade, ao negar o aquecimento global.

Para quem acompanha o Congresso, no entanto, a chance atual de impeachment é, na prática, pequena.

"Não há fumaça", diz o cientista político Arthur Lupia, professor da Universidade de Michigan. Segundo ele, a investigação do FBI sobre o suposto conluio de Trump com os russos ainda não trouxe elementos probatórios significativos contra o presidente.

Politicamente, a hipótese de o impeachment ser aprovado também é remota, já que os republicanos têm maioria no Congresso. "Há público para isso [lançamento de livros]. Mas, politicamente, não há chance", diz Lupia.

Líderes democratas pretendem aguardar o resultado da investigação do FBI sobre a influência russa.

Mas, por via das dúvidas, parte dos apoiadores de Trump já começou a articular o discurso de resposta: o impeachment é um golpe. Uma assertiva que também soa familiar aos brasileiros.

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