A atual rodada de protestos o governo iraniano chama a atenção não tanto pelo seu potencial de recrudescimento, mas sim pela natureza algo nebulosa das manifestações em curso.
Desde que o reformista Mohammad Khatami destampou a panela de pressão do regime ao ser eleito inesperadamente em 1997, havia uma dinâmica estabelecida nos confrontos internos do país.
Você podia ser a favor ou contra o regime, mas a luta quase sempre se dava dentro do arcabouço do sistema.
Os estudantes que foram às ruas em 1999 podiam até, no fundo, querer a queda da República Islâmica instalada em 1979. Mas seu veículo era o apoio a um reformista "de dentro", Khatami, em oposição a clérigos conservadores.
Em 2009, data dos mais graves distúrbios até aqui, a agenda predominante era a acusação de fraude na vitória eleitoral do conservador Mahmoud Ahmadinejad.
Seus líderes eram os derrotados no pleito, e o Movimento Verde que protagonizaram nem de longe pregava queimar retratos de aiatolás.
Agora, como notou Trita Parsi, do Conselho Nacional Iraniano Americano, as lideranças reformistas estão fora. Mais: estão olhando tudo com bastante distanciamento, emitindo apoios protocolares e evitando associação direta com o movimento.
Para Parsi, a impressão é de que o país está diante de um novo tipo de manifestante, aquele que gostaria de ver a república secularizada. Cabe sempre lembrar que o Irã sempre teve uma sofisticada classe média e elite intelectual, mas que até aqui jogou segundo as regras da revolução.
Há também o fator Washington. A despudorada reação de apoio do presidente Donald Trump pode ser apenas apenas o seu usual oportunismo impensado.
Mas para uma sociedade que tem no conflito com os Estados Unidos boa parte de sua base ideológica nas últimas décadas, é gasolina para a fogueira que vê interferência externa nos protestos. Trump pode ajudar a apressar uma virada repressiva contra os manifestantes.
O governo de Hasan Rowhani está no pior dos mundos. Buscando apoio popular contra a linha dura do regime, ele tem evitado a repressão mais brutal.
Mas ela pode acabar sendo inevitável, angariando para Rowhani uma dupla acusação: a de que foi frouxo demais por parte dos conservadores, e a de que cedeu a eles, do lado dos reformistas.
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