DIOGO BERCITO
DE MADRI

Em sua primeira declaração desde o início dos protestos que já deixaram 22 mortos no Irã, o aiatolá Ali Khamenei disse na terça-feira (2) que os "inimigos da República Islâmica" são responsáveis pela crise, no que foi entendido como uma mensagem aos EUA e à Arábia Saudita.

"Nos dias recentes, eles usaram diferentes ferramentas, como dinheiro, armas, política e aparatos de inteligência para criar problemas", escreveu em uma nota publicada em sua página oficial. O líder supremo iraniano se comprometeu a falar à nação sobre a crise "quando chegar a hora certa".

As manifestações de repúdio ao governo, que começaram na quinta-feira (28) em resposta à crise econômica, deixaram ao menos 22 mortos —nove morreram na noite de segunda-feira, incluindo um policial. Mais de 450 pessoas foram detidas na capital, Teerã.

Esta é a maior onda de manifestações no Irã desde 2009, quando milhões protestaram contra a reeleição do então presidente Mahmoud Ahmadinejad. Por ora, as atos destes últimos dias reuniram apenas milhares —o número ainda é incerto— espalhadas por diversos pontos do território.

O governo iraniano restringiu o acesso a redes sociais como o Telegram e o Instagram.

Khamenei não nomeou os "inimigos" em seu discurso. Ali Shamkhani, que lidera o conselho nacional de segurança, foi no entanto mais direto: em entrevista, culpou os Estados Unidos, a Arábia Saudita e o Reino Unido pelos protestos. Os EUA e a Arábia Saudita apoiam os rebeldes armados lutando contra o regime da Síria, aliado do Irã.

Um dia antes da declaração do aiatolá Khamenei, o presidente iraniano, Hasan Rowhani, discursara aceitando alguma responsabilidade pelos protestos, mas culpando seus antecessores e os EUA pela crise em si.

Há atrito com os EUA devido à decisão do presidente americano, Donald Trump, de rever o acordo nuclear de 2015 com o Irã, que Rowhani havia vendido à população como uma maneira de resolver a crise econômica —o que, por enquanto, ainda não aconteceu.

Apesar da fala de Khamenei, as manifestações populares não dão sinais de arrefecer. O governo tem recorrido à repressão, o que pode alimentar ainda mais a insatisfação, que a princípio era motivada por agruras econômicas. O chefe do Judiciário iraniano, Sadeq Larijani, pediu na segunda-feira que os promotores "punam firmemente os manifestantes".

Um porta-voz do governo, Mohammad Baqer Nobakht, disse durante uma reunião com jornalistas que "as pessoas têm o direito de se manifestar, mas há uma diferença entre manifestações e tumultos" e que as pessoas nas ruas "têm que agir dentro do marco da lei."

PETRÓLEO

Se a fagulha inicial foi econômica, os protestos ganharam força ao agregar outras tantas insatisfações da população iraniana, como seu repúdio à corrupção e ao autoritarismo das últimas décadas —uma mesma classe clerical está no poder desde a revolução de 1979.

A instabilidade preocupa porque o Irã, além de ser um dos principais produtores de petróleo do mundo (3,8 milhões de barris por dia), é um dos grandes atores do Oriente Médio. O país está envolvido na Síria e no Iraque, por exemplo, e vive uma disputa de influência com a Arábia Saudita.

Os protestos, que começaram no nordeste iraniano, no reduto conservador de Mashhad, não têm uma liderança clara. As manifestações se espalharam e chegaram a Teerã, incluindo slogans como "morte ao ditador" e "abaixo à República Islâmica".

O presidente americano, Donald Trump, disse na terça-feira que "o povo do Irã está finalmente agindo contra o regime brutal e corrupto". "As pessoas têm pouca comida, inflação alta e sem direitos humanos", afirmou.

"Em vez de perder tempo enviando tuítes inúteis insultantes contra outros povos, [Trump] deveria se ocupar dos problemas internos de seu país, em especial o assassinato diário de dezenas de pessoas e os milhões de famintos e sem-teto", disse por sua vez Bahram Ghassemi, porta-voz da chancelaria iraniana.

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