'Conexão com Israel' explica estranha ligação entre judeus e evangélicos

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO

Por que tantos líderes evangélicos ficaram eufóricos com o anúncio de que Donald Trump mudará a embaixada americana para Jerusalém? E por que tantos deles se apropriam de símbolos judaicos?

"Evangélicos oram para que Deus dê a Trump a coragem para realocar a embaixada", dizia em junho, meses antes da decisão, manchete do "Times of Israel", site cofundado por David Horovitz, ex-editor-chefe do "The Jerusalem Post".

Crédito: Reprodução/Facebook O líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, que construiu o Templo de Salomão
O líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, que construiu o Templo de Salomão

Nos EUA de 2013 havia mais evangélicos brancos (82%) do que judeus (40%) adeptos da ideia de que Deus cedeu Israel ao povo judaico, segundo pesquisa do Pew Research Center. Três anos depois, 81% desse naco do mundo cristão votaram no republicano.

Temos nossa cota de exemplos caseiros, vide a Igreja Universal do Reino de Deus e sua réplica paulista do Templo de Salomão, do filho de Davi —o maior rei de Israel— com Bate-Seba, conforme a narrativa bíblica.

Para a inauguração, em 2014, o bispo Edir Macedo incorporou traços típicos do rabinato: quipá, talit (o xale de orações) e, na face geralmente lisa, uma vasta barba branca, tal qual um profeta.

No mesmo ano, em entrevista à Federação Israelita do Rio de Janeiro, o pastor Silas Malafaia fez questão de frisar: "Para nós, o Deus de Israel é o nosso Deus. Não tem nenhuma absolutíssima diferença".

O cônsul-geral israelense em São Paulo, Dori Goren, subiu num trio elétrico da Marcha para Jesus 2017. Na lateral do veículo: "Jerusalém, a capital eterna de Israel".

Quem vê de fora pode estranhar a ligação entre essas duas religiões. O povo judeu, afinal, não tem Jesus Cristo como seu messias. E, para cristãos, a salvação só virá aos que creem naquele que reconhecem como filho de Deus.

A chave para entender a aproximação é a "conexão profunda com Israel", diz o rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista. "Eles reconhecem a legitimidade da soberania israelense sobre a terra prometida, o que faz com que possa existir uma agenda comum."

Sob a perspectiva das Escrituras, Jerusalém é terra sagrada para judeus e cristãos (também o é para muçulmanos, o outro grande bloco monoteísta). O que os evangélicos argumentam: Jesus —judeu, como seus apóstolos— teria vindo à Terra para redimir a nação eleita por Deus. Veem, portanto, seguidores da Torá como os herdeiros de direito da nação escolhida.

Narra o livro de Gênesis: "E apareceu o Senhor a Abraão, e disse: à tua descendência darei esta terra". Terra que, segundo a Bíblia, exercerá papel crucial na epopeia da humanidade. "As profecias de Apocalipse, Daniel e outros textos bíblicos apontam para a segunda vinda de Cristo após a reconstrução do Templo de Salomão em Jerusalém", afirma o teólogo Marcelo Rebello.

"Trump sinalizar o reconhecimento de Jerusalém como capital efetiva, para nós, cristãos, é um grande acontecimento, que, se concretizado, demonstra claramente o início das profecias do apóstolo João: a preparação para a vinda do Anticristo, a reconstrução do templo e os demais sinais que Jesus está em vias de voltar."

Nessa "era de ouro", antecedida por desastres naturais e guerras, os judeus teriam a chance de se converter em massa, apostam os evangélicos. Logo, o valor de Israel sob a ótica teológica é inestimável.

Não por acaso os evangélicos apoiaram o movimento sionista desde a criação de Israel, em 1948, à guerra com vizinhos árabes em 1967, como destaca "An Unusual Relationship" (uma relação incomum).

De 2013, esse livro a mesma "agenda comum" apontada pelo rabino Michel. Ela fomenta "a quase surreal circunstância" de cristãos oferecendo ajuda financeira para judeus (alguns deles ultraortodoxos) interessados em reerguer o Templo de Salomão —o que o brasileiro Edir Macedo acabou fazendo.

Além disso, as peregrinações giram muito dinheiro tanto para Israel quanto para operadoras especializadas em turismo religioso. O Brasil tem das suas, várias em parceria com grandes lideranças evangélicas, como Macedo e o apóstolo do chapéu de vaqueiro, Valdemiro Santiago.

A US Travel anuncia a Caravana Terra Santa com Malafaia. São pacotes de 13 dias para ver sítios sagrados em Israel, Dubai e Jordânia —comendo "o famoso 'peixe de São Pedro', pescado no Mar da Galileia" e descolando "uma belíssima visão panorâmica de Jerusalém e de todo o Vale do Armagedon, palco da batalha do Juízo Final". Tudo a partir de R$ 16,8 mil (mais taxas).

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