Descrição de chapéu The New York Times

Ameaças feitas por Trump colocam credibilidade dos EUA em risco

STEVEN ERLANGER
DO "NEW YORK TIMES", EM BRUXELAS

Desde o primeiro dia do ano, o presidente Donald Trump atacou vários países em posts no Twitter, incentivando manifestantes a derrubar o governo iraniano, ameaçando detonar a Coreia do Norte e pedindo reduções na assistência aos palestinos. Em seu tom e suas bravatas, ele começou 2018 onde terminou o ano passado.

Duas coisas se destacam nas mensagens sobre política externa postadas por Trump no Twitter desde que ele chegou ao poder: primeiro, quanto elas diferem dos modos em que os presidentes americanos se expressaram tradicionalmente, o que dirá sua diplomacia. Segundo, em quão poucos casos Trump colocou em prática o que advogou. Quase um ano depois de sua chegada à Casa Branca, o resto do mundo ainda está tentando decifrar se Trump é mais discurso do que ação, mais tigre de papel que tigre de verdade.

Os países não sabem se devem entender suas palavras como declarações de política externa americana ou se elas podem ser ignoradas em segurança. Se as ameaças de Trump são vistas como sendo da boca para fora, o que isso acarreta para a credibilidade dos EUA? Em uma série de tuítes no sábado, Trump reagiu a perguntas sobre sua capacidade mental, dizendo que é "um gênio muito estável".

Mesmo que se considere que os tuítes de Trump constituem um desabafo ou visam tranquilizar a base doméstica do presidente, paira no ar uma impressão crescente de que a credibilidade da administração e da própria Presidência está sendo erodida.

Richard N. Haass, presidente do think tank Council on Foreign Relations, em Nova York, recentemente reproduziu alguns dos tuítes mais agressivos de Trump e comentou: "Este é nosso comandante em chefe. Pensem nisso."

As palavras do presidente americano têm importância, ele acrescentou em mensagem no Twitter. "É por isso que muitos dos tuítes deste presidente causam alarme. Trata-se não apenas de uma política questionável ocasional, mas de julgamento e disciplina questionáveis."

A verdade, disse Haass, é que posts no Twitter devem ser tratados com tanta seriedade quanto qualquer outra declaração vinda da Casa Branca, para não correr o risco de as palavras do presidente perderem valor.

O secretário de Estado Rex Tillerson falou dos tuítes de Trump em entrevista recente à "The New York Times Magazine", dizendo que a abordagem de seu departamento é "suficientemente resiliente" para lidar com o inesperado e ainda assim trabalhar com vista a suas metas de longo prazo. "Encaro os tuítes do presidente como sua forma de se comunicar e incluo isso em minhas estratégias e táticas", disse Tillerson.

Mas os posts de Trump no Twitter já desvalorizaram as palavras do presidente, argumenta R. Nicholas Burns, ex-diplomata de carreira e embaixador na Otan que leciona em Harvard e trabalhou com a campanha de Hillary Clinton. "Os tuítes são comunicados do presidente, do governo dos Estados Unidos, portanto são importantes", ele opinou.

"Mesmo quando Trump está com a razão", defendendo manifestantes iranianos ou criticando os testes de mísseis norte-coreanos, "sempre há algum excesso ou alguma declaração indesejável que enfraquece a credibilidade americana, e é difícil recuperar essa credibilidade. Aliados e adversários investem em nosso julgamento e bom senso."

Burns apontou para a decisão de Trump de transferir a embaixada dos EUA em Israel de Tel Aviv a Jerusalém, por mais que seja adiada ou simbólica. Ela rompeu com anos de consenso político internacional segundo o qual o status de Jerusalém seria decidido em negociações de paz.

Quanto à Coreia do Norte, Pyongyang vem levando adiante seus testes de mísseis balísticos intercontinentais, não obstante os tuítes de Trump, e não deu até agora nenhum indicativo de que vá concordar em se desfazer de suas armas nucleares em troca de negociações com Washington. Em lugar disso, passou ao largo de Washington para reiniciar negociações com Seul.

Mesmo no Paquistão, onde na semana passada Trump colocou em prática suas ameaças de suspender a assistência americana devido ao apoio ambíguo do país à luta dos EUA contra o Taleban, o presidente primeiro foi a favor do Paquistão, antes de ser contra.

Algumas pessoas sugerem que os tuítes de Trump não devem ser levados tão a sério. Daniel S. Hamilton, ex-funcionário do Departamento de Estado e hoje diretor do Centro de Relações Transatlânticas da Universidade Johns Hopkins, diz que Trump "usa esses tuítes e as redes sociais para manter a coesão de sua base política" e que "se os tuítes serão ou não convertidos em políticas públicas é outra questão inteiramente".

Não podemos ignorar os tuítes presidenciais, disse Hamilton, "mas a finalidade deles não é fazer pronunciamentos diários sobre política pública americana". Trump tem plena consciência do efeito e timing de seus tuítes, disse Hamilton; quando ele lança tuítes muito cedo pela manhã, "isso já dá o tom da cobertura da mídia para o resto do dia".

Segundo Hamilton, para os assessores que cercam Trump em Washington, a batalha diária é "tentar acalmar seu temperamento. Mas, para os aliados, é muito difícil interpretar" [as intenções do presidente].

Mas, quando as ameaças de Trump não são concretizadas —ou são amenizadas por funcionários da Casa Branca, o Congresso ou os tribunais—, isso também enfraquece a credibilidade americana.

Embora os aliados dos EUA não necessariamente interpretem os posts de Trump no Twitter como pronunciamentos de política americana, os tuítes ainda assim geram grande confusão, disse Pierre Vimont, ex-embaixador da França em Washington e ex-assessor sênior do chefe da diplomacia da União Europeia.

Mesmo em áreas nas quais os aliados concordam —por exemplo, em relação à ameaça representada pela Coreia do Norte e seu líder, Kim Jong-un—, "ainda temos dificuldade em entender qual é a posição política real de Washington", disse Vimont.

Segundo ele, existem divergências claras entre Trump e os aliados europeus dos EUA em relação à mudança climática, comércio multilateral e Jerusalém, "mas mesmo com relação à Ucrânia e Síria, onde poderíamos ter posição comum, temos dificuldade em entender qual é a posição da liderança americana, o que ela realmente procura".

Com relação ao Irã, por exemplo, muitos europeus concordam com os manifestantes que protestam contra o governo islâmico, mas consideram que o apoio estridente manifestado a eles por Trump no Twitter beneficia a linha dura iraniana e prejudica os moderados.

Os europeus estão unidos na intenção de tentar manter um diálogo com o Irã e preservar o acordo nuclear, que, para muitos, precisa ser aprimorado, mas deve ser mantido em separado de outras questões.

Na semana passada o presidente francês, Emmanuel Macron, criticou os EUA, Israel e Arábia Saudita por incentivarem os protestos antigoverno, dizendo que essa postura "é quase uma que nos levaria à guerra". Macron disse que a França quer evitar "reconstruir sub-repticiamente um 'eixo do mal'", numa alusão aos países identificados pelo ex-presidente George W. Bush como integrantes desse suposto eixo.

"Os tuítes de Trump realmente moldam a reação de outros", disse Leslie Vinjamuri, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. "Se antes eles eram voltados à sua base, agora os tuítes parecem ser uma maneira de Trump gritar de volta ao mundo, e ele repisa constantemente as mesmas questões. Sob alguns aspectos ele é previsível, emotivo e errático, mas não é consistente."

Mas ninguém pode ignorar o presidente dos Estados Unidos, disse Vinjamuri.

"Os Estados Unidos ainda têm importância, e as pessoas estão um pouco assustadas", ela disse. "Muitos países estão tentando se proteger, estão se abstendo, mas não votando contra ele. Mas isso não basta para Trump. Ele é um homem que quer lealdade."

Tradução de CLARA ALLAIN

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