Processo para afastar Trump por doença psiquiátrica é difícil

Crédito: Kevin C. Cox/Getty Images/AFP O presidente dos EUA, Donald Trump, se prepara para cantar o hino nacional em estádio de Atlanta
O presidente dos EUA, Donald Trump, se prepara para cantar o hino nacional em estádio de Atlanta

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Quando o deputado democrata Jamie Raskin introduziu o projeto de lei H.R. 1987, em abril do ano passado, ninguém o levou muito a sério. O projeto cria uma comissão permanente de psiquiatras que poderia avaliar a sanidade mental de um presidente, a pedido do Congresso. Parecia uma tentativa de ganhar a eleição no tapetão.

Mas a legislação ganhou impulso recentemente, com 56 outros deputados tornando-se copatrocinadores do projeto, e cresce agora a possibilidade de vir a ser votada.

O projeto de lei é uma tentativa de regulamentar a 25ª emenda da Constituição americana, que se tornou discussão obrigatória nos círculos políticos dos EUA após certas revelações do livro "Fire and Fury", de Michael Wolff.

A seção 4 da emenda prevê que o vice-presidente e o gabinete possam pedir destituição do presidente pelo Congresso, se o considerarem "incapaz de desempenhar os poderes e deveres do cargo".

O projeto de lei de Raskin facilitaria o processo ao criar comissão para avaliar se o presidente é incapaz.

Wolff afirma que todo o entorno do presidente acredita que Trump não esteja apto para governar. A reação de Trump ao livro, ao afirmar ser "um gênio muito estável", e suas provocações ao ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, deram ainda mais combustível à discussão.

Mas usar a 25ª emenda para tirar Trump do governo ainda é mais "wishful thinking", desejo, da oposição do que possibilidade real, na opinião de especialistas.

A emenda foi aprovada após o assassinato do presidente John F. Kennedy, em 1963. Na época, emergiu a questão: se Kennedy tivesse sobrevivido ao atentado, mas tivesse ficado mentalmente incapacitado, o que se faria?

A 25ª nunca foi usada para afastar um presidente.

Para que seja invocada a seção 4 da emenda, é necessário que o vice-presidente e a maioria dos integrantes do gabinete notifiquem o Congresso que o presidente não consegue mais "desempenhar suas funções". Daí, o presidente pode discordar, e dizer ao Congresso que pode, sim, desempenhar suas funções. Então, o vice e o gabinete precisam notificar mais uma vez o Congresso.

Depois disso, dois terços da Câmara e do Senado precisam votar para tirar os poderes do presidente de forma definitiva e empossar o vice.

É muito mais fácil afastar um presidente por um processo de impeachment. Para começar, só é necessário ter maioria simples na Câmara e dois terços do Senado.

Já houve debate anterior sobre sanidade mental de um presidente —Ronald Reagan (1981-1989) recebeu diagnóstico de mal de Alzheimer cinco anos após deixar a Presidência. Mas médicos (e o filho de Reagan, Ron) indicam que Reagan provavelmente começou a ter sintomas quando ainda estava no governo.

Antes dele (e da 25ª emenda), outros presidentes sofreram de distúrbios psiquiátricos: Kennedy tinha ansiedade, Abraham Lincoln sofria de depressão e Richard Nixon, com alcoolismo.

Por enquanto, é pouco provável esperar que Câmara e Senado controlados pelos republicanos se voltem contra o presidente republicano. Mas se houver um massacre nas eleições legislativas, em novembro, isso pode mudar.

Juristas, no entanto, alertam para o risco que o acionamento da emenda representaria para a democracia.

"Se não gostamos da ideologia de alguém, fazemos campanha contra, em vez de usarmos o sistema psiquiátrico contra", disse ao site Politico o jurista Alan Dershowitz.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.