Embaixador de Trump na Holanda se nega a retirar fala contra muçulmanos

Crédito: John Thys/AFP O novo embaixador americano na Holanda, Peter Hoekstra, durante a entrevista coletiva em Haia
O novo embaixador americano na Holanda, Peter Hoekstra, durante a entrevista coletiva em Haia

ELI ROSENBERG
AMAR NADHIR
DO "WASHINGTON POST"

Peter Hoekstra, o recém-nomeado embaixador dos EUA na Holanda, deu sua primeira entrevista coletiva à imprensa holandesa em sua nova residência em Haia na quarta-feira (10).

Não foi um sucesso.

Antes de ser embaixador de Trump, Hoekstra foi deputado republicano pelo Estado de Michigan por 18 anos. Jornalistas holandeses o submeteram a uma saraivada de perguntas sobre alegações não confirmadas que ele fez em 2015 sobre o caos que "o movimento islâmico" teria semeado na Holanda.

"Carros são incendiados. Ateiam fogo em políticos", disse Hoekstra em uma conferência promovida por uma organização conservadora. "E há zonas na Holanda onde o acesso não é permitido."

Seus comentários foram descritos por muitos como falsos. Eles refletem certas conspirações relativas à sharia (lei islâmica) que pipocam em alguns círculos da extrema direita no Ocidente. Pressionado por repórteres holandeses, Hoekstra se negou a retirar suas declarações ou a dar exemplos específicos para fundamentar o que disse.

Na realidade, após dizer que vai "voltar à questão" futuramente, ele simplesmente se negou a responder.

Mas os jornalistas ainda não tinham esgotado essa linha de perguntas. Em vez de passar para outro assunto, outro jornalista simplesmente fez a mesma pergunta em outras palavras.

"Todo o mundo ali presente tinha uma pergunta: 'Você vai retirar aquela afirmação maluca que fez?'", disse em entrevista telefônica sobre a coletiva o repórter político Roel Geeraedts, da emissora de TV holandesa RTL Nieuws. "Não estávamos recebendo respostas, então continuamos a fazer a pergunta."

Geeraedts publicou nas redes sociais um segmento de vídeo mostrando a notável troca de palavras com o embaixador.

Depois de pelo menos uma pessoa ter feito a pergunta, Geeraedts perguntou a Hoekstra sobre uma frase de John Adams (que foi o primeiro embaixador dos EUA à Holanda) reproduzida em um quadro logo atrás do embaixador. Hoekstra disse que tinha lido a frase, que expressa a esperança de Adams de que "apenas homens honestos e sábios reinem sob este teto".

"Se você é realmente um homem honesto e sábio, pode retirar sua afirmação sobre políticos queimados ou citar o nome do político que foi queimado na Holanda?", perguntou Geeraedts.

Seguiu-se um silêncio incômodo.

"Obrigado", disse Hoekstra e então tentou chamar outro jornalista, falando alto para se fazer ouvir por cima do vozerio de repórteres no recinto.

"Com licença, eu lhe fiz uma pergunta", disse Geeraedts.

Outro jornalista interveio.

"Senhor embaixador, o senhor pode citar algum exemplo de um político holandês que tenha sido queimado nos últimos anos?"

Novamente silêncio, enquanto Hoekstra percorria o recinto com os olhos.

"Isto daqui é a Holanda. O senhor tem que responder perguntas", disse outro repórter.

Sherry Keneson-Hall, conselheira da embaixada que estava ajudando a coordenar a coletiva de imprensa, reagiu, dizendo que Hoekstra estava respondendo.

Pelo menos mais um jornalista fez a mesma pergunta. Jornalistas já a haviam feito pelo menos cinco vezes.

"Ficamos todos espantados porque ele não quis retirar sua declaração. Era simplesmente falsa, então por que não retirá-la?", Geeraedts. "Foi uma situação incômoda, para falar a verdade."

Hoekstra enfrenta uma saia-justa na Holanda devido a suas declarações desde que o jornalista holandês Wouter Zwart o confrontou sobre o assunto pela primeira vez, em dezembro. Hoekstra disse falsamente a Zwart que nunca havia dado as declarações, que descreveu como "fake news". Momentos depois, negou que tivesse descrito as alegações como notícias falsas.

Um vídeo sobre a bizarra troca de palavras com o embaixador, justaposta a suas declarações sobre zonas "de acesso proibido", viralizou, e o episódio atraiu muitas manchetes críticas nos Estados Unidos e na Holanda.

O silêncio do embaixador diante as perguntas dos jornalistas na quarta-feira atraiu reação semelhante.

"Atuação constrangedora de um embaixador controverso", dizia uma manchete na versão online do "De Telegraaf", um dos maiores jornais do país. "O embaixador Hoekstra volta a se perder em Haia", dizia outra manchete.

"Encontro muito incômodo entre embaixador e jornalistas", segundo a RTL Nieuws.

Hoekstra disse que lamentou publicamente sua troca de palavras com Zwart na quarta-feira. Mas não esclareceu se o pedido de desculpas deveria incluir seus comentários sobre zonas de acesso proibido. Em dado momento, pareceu indicar que estava mais preocupado com a entrevista, não com as declarações que deu.

"O que está em questão aqui não são mais minhas opiniões pessoais. São as opiniões sobre as políticas públicas dos Estados Unidos da América, conforme dirigidas por esta administração", ele disse. "Uma entrevista não terá um impacto. A outra coisa que eu gostaria de reforçar é que este relacionamento vem sendo mantido por pessoas incontáveis há 400 anos. Eu não sou importante."

Uma reportagem da CNN transmitida esta semana documentou múltiplas vezes em que Hoekstra falou em "zonas às quais não se tem acesso" em cidades europeias, em participações que fez em veículos de mídia conservadores, incluindo programas de entrevistas na rádio, e num artigo de opinião na imprensa escrita. A reportagem também mostrou outras instâncias em que o embaixador alimentou teorias conspiratórias sobre muçulmanos.

Hoekstra especulou que entre 10% e 15% da comunidade muçulmana no mundo —270 milhões de pessoas— seriam militantes islâmicos radicais. Ele pareceu deixar entender que Huma Abedin, que era assistente de Hillary Clinton, tinha vínculos "notórios" com a Irmandade Muçulmana, alegação que Glenn Kessler, o verificador de fatos do "Washington Post", e outras publicações determinaram ser "fajuta". Em outro programa de extrema direita, Hoekstra disse que tinha considerado a possibilidade de o presidente Barack Obama ter intencionalmente auxiliado a ascensão de extremistas muçulmanos.

O Departamento de Estado dos EUA não respondeu a um pedido de declarações sobre o assunto.

Geeraedts acha que o comportamento de Hoekstra confirma algumas das suspeitas que os holandeses têm em relação à administração Trump.

"Muitos holandeses já assistiram a coletivas de imprensa da Casa Branca e viram como algumas das perguntas não são respondidas", ele explicou. "Todo o mundo sabe sobre os 'fatos alternativos'. E isto daqui se enquadra nesse contexto."

Geeraedts disse que o fato de os jornalistas não terem passado por cima da pergunta não respondida pelo embaixador foi uma reação espontânea e que já viu uma tática semelhante ser empregada em escala menor quando políticos holandeses dão respostas evasivas a perguntas diretas. Mas ele disse que a política na Holanda difere um pouco da situação atual nos Estados Unidos.

"Na Holanda, se você faz perguntas diretas, não recebe respostas diretas", ele explicou. "Mas também não recebe respostas falsas."

Tradução de CLARA ALLAIN

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