Alta de impostos leva a protestos na Tunísia, 7 anos após Primavera Árabe

Crédito: Hassene Dridi/Associated Press Manifestantes protestam contra aumentos de preços em Túnis, capital da Tunísia
Manifestantes protestam contra aumentos de preços em Túnis, capital da Tunísia

LUNA GÁMEZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

SEMMADA ARRAIS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TÚNIS

As palavras de ordem "trabalho, liberdade e dignidade", usadas na Revolução de Jasmim de 2011, voltaram ao protagonismo em protestos que há uma semana ocupam as ruas de mais de 20 cidades da Tunísia.

O país, reconhecido como propulsor da Primavera Árabe e considerado exemplo de transição democrática, comemorou neste domingo (14) com milhares nas ruas o sétimo aniversário da revolta que derrubou o ditador Zine el-Abidine Ben Al.

Naquele momento, a Tunísia inaugurou uma transição política que buscava, além de instaurar um novo sistema democrático, combater a corrupção do regime anterior e a falta de emprego, assim como conquistar a liberdade de expressão e o respeito aos direitos humanos.

Ante a falta de avanço nesses objetivos e o insustentável aumento do custo de vida, com inflação que supera 6% ao mês, o recém-criado movimento social Fech Nestannew (Pelo que esperamos?, em português) liderou uma mobilização contra a Lei de Finanças de 2018.

Elaborada pelo governo do premiê Youssef Chahed, a legislação pretende implantar a austeridade no gasto público e aumentar impostos para cumprir as condições do empréstimo de R$ 9,38 bilhões concedido em 2016 pelo Fundo Monetário Internacional.

Crédito: Folhapress Raio X Onde Fica Tunísia

As autoridades responderam os protestos, que descrevem como vandalismo, com uma forte repressão.

Na quarta (10), forças do Exército ocuparam as ruas para controlar os confrontos entre manifestantes e policiais, que resultaram em quase 800 detenções. Entre os detidos estão ativistas acusados de desordem pública e três integrantes da Frente Popular, única sigla de oposição de esquerda no Parlamento controlado pela coalizão do partido laico Nidá Tunísia e do islamista Ennahda ("renascimento", em árabe).

No sábado (13), o governo fez o primeiro aceno aos manifestantes ao prometer um aumento de R$ 218 milhões na verba para as famílias pobres.

A Anistia Internacional pediu ao governo o fim da força excessiva e da intimidação aos manifestantes, ao mesmo tempo em que denunciou a controvertida morte de Khomsi el-Yerfeni na cidade de Tebourba.

A versão oficial diz que ele foi asfixiado por gás lacrimogêneo, enquanto testemunhas e familiares afirmam que ele foi atropelado por um carro de polícia durante os protestos da última segunda (8).

"Violência, roubos e vandalismo também aconteceram em 2011. Cada vez que há protestos, há pessoas que se aproveitam da situação, mas sabemos que a maioria dos confrontos são provocados por infiltrados pagos para desacreditar os manifestantes, que na maioria são pacíficos", afirma a ativista e escritora Lina Ben Mhenn, que critica a falta de avanços no país depois da saída de Ben Ali.

"A corrupção avança a cada dia e, em lugar de lutar contra isso, o governo aprovou a Lei da Reconciliação em 2014, que garante a impunidade aos políticos corruptos", diz Ben Mhenn, citando medida que anistiou 1.750 funcionários do regime do ex-ditador.

CONSTITUIÇÃO

A Tunísia promulgou sua primeira constituição democrática em 2014 e nos dois partidos que controlam a atual gestão há figuras que trabalharam em governos autoritários anteriores.

É o caso do atual presidente Béji Caid Essebsi, que foi ministro de Defesa e de Relações Exteriores durante o regime autoritário de Habib Bourguiba, antecessor de Ben Ali.

Os políticos têm priorizado sua permanência no poder, sem um real interesse em promover a transição democrática e a construção de uma economia sustentável, afirma o analista Michael Ayari em livro recém-publicado.

O país, que começou 2018 com desemprego de 15% -o dobro no caso de jovens-, uma dívida pública de 70% do PIB e uma profunda desvalorização da moeda local, enfrenta agora o desafio de preparar as primeiras eleições municipais desde a revolução. Depois de uma série de adiamentos, elas estão previstas para 6 de maio e vão acontecer em um clima de incerteza e de polarização.

Enquanto muitas tunisianas e tunisianos afirmam que a revolução trouxe benefícios em termos de abertura política, alguns apontam a deterioração progressiva da economia como a principal preocupação atual.

"O trabalho piorou e o custo de vida aumentou muito. Tudo bem, há mais liberdade, liberdade de fala. Mas ninguém consegue comer palavras", diz Lotfi Aouadi, 51, administrador de uma escola de artes marciais em La Marsa, cidade próxima à capital Túnis.

No entanto, ele se mostra otimista e confiante com o sucesso da transição revolucionária, pois acredita que a transformação do país precisa de tempo para avançar.

JOVENS

A crise econômica na Tunísia tem sido o principal empecilho na transição democrática que o país vem realizando nos últimos anos, prejudicando principalmente os jovens, entre os quais o desemprego chega a quase 40%.

Desde 2011, mais de 25 mil tunisianos migraram por rotas marítimas em busca de uma alternativa de futuro, segundo a OIM (Organização Internacional das Migrações) das Nações Unidas.

O desemprego é a principal causa de migração para os jovens entre 18 e 34 anos, de acordo com dados do Instituto Tunisiano de Estudos Estratégicos; 54% dos jovens afirmaram ter o desejo de abandonar o país.

"As medidas políticas do novo orçamento [previsto pela nova Lei de Finanças], que preveem um aumento dos preços que prejudicaria principalmente as classes sociais mais modestas, tem mobilizado a juventude, já afetada pela falta de emprego e pela marginalização", diz Sonia Temimi, historiadora e professora da Universidade da Tunísia.

Ela acredita que a indignação que levou aos protestos dos últimos dias é resultado de uma política de governo que nos últimos sete anos continuou reproduzindo um sistema econômico injusto e aumentou a distância entre o litoral tunisiano próspero e o interior do país, mais pobre.

TURISMO

O mercado de trabalho piorou ainda mais depois de dois atentados em 2015, um no Museu do Bardo, na capital Túnis; e outro em um hotel na cidade turística de Sousse, nos quais morreram 60 pessoas, que levaram a uma crise no turismo, principal atividade da economia tunisiana.

"Tivemos os ataques terroristas, mas o governo não impôs medidas necessárias para proteger nossa principal fonte de renda nem para criar alternativas", afirma a ativista Ben Mhenn.

A radicalização de jovens tunisianos também preocupa e pode estar relacionada à marginalização de muçulmanos em um país que tenta estabelecer um Estado laico, segundo a pesquisadora suíça Cindy Reiff.

"Essa situação, combinada com a ausência de perspetivas de trabalho, faz com que o Islã radical possa se tornar um meio para jovens expressarem sua raiva com a situação atual", diz a especialista.

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