SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

Em seu primeiro dia de visita ao Chile, nesta terça (16), o papa Francisco tocou em um tema delicado da viagem e pediu perdão pelos mais de 75 casos de abuso sexual de menores pelo ex-sacerdote Fernando Karadima, 87.

A demora da Igreja Católica em afastar o religioso —as primeiras denúncias são de 2004 e a punição só veio em 2011— e a falta de advertências a seus comandados são citadas como principais razões da queda de confiança dos chilenos na instituição.

Segundo pesquisas recentes, hoje apenas 45% da população se declara católica. Protestos e ataques a igrejas precederam a chegada do pontífice.

Cerca de 200 pessoas participaram de uma manifestação contra a visita do pontífice nesta terça. O grupo, que carregava cartazes com críticas a forma como o papa lidou com as acusações contra os padres, entrou em confronto com a polícia nos arredores do parque O'Higgins, em Santiago.

"Não posso deixar de manifestar a dor e a vergonha ante o dano irreparável causado a menores por parte de representantes da Igreja", disse Francisco em sua primeira intervenção pública, sendo muito aplaudido.

"Estou com meus irmãos bispos para pedir perdão e fazer todos os esforços para apoiar as vítimas, enquanto nos comprometemos a garantir que isso nunca volte a acontecer".

A menção ao caso, porém, foi insuficiente para as vítimas, que pediram o afastamento de religiosos que encobriram Karadima e o início de uma ação penal contra o sacerdote pedófilo, que nunca ocorreu por causa de suposta pressão do Vaticano.

Uma das vítimas, Juan Carlos Cruz, que hoje vive nos EUA, viajou a Santiago para falar com Francisco. "São palavras vazias que só causam mais dor", disse a uma rádio local, referindo-se ao pedido de perdão. "Já se foi o tempo de pedir desculpas, ainda há bispos em seus cargos que viram os abusos e encobriram."

Em artigo no "New York Times", o acadêmico e ensaísta chileno Ariel Dorfman, 75, falou da influência que Karadima exerceu sobre uma geração de chilenos que depois se tornariam protagonistas da sociedade —o sacerdote atuava em escolas e com grupos de jovens de classe média e alta de Santiago.

"Era o guia espiritual de amigos meus", conta Dorfman, que afirma ter se chocado ao saber dos casos de abusos e diz ter sido tratado "como o centro do universo" na primeira vez que o encontrou.

SAIAS-JUSTAS

Outros temas polêmicos da visita foram apenas citados por Francisco, que pediu aos chilenos que "escutem os povos originários, os jovens que pedem reformas e os imigrantes" —alusão às reivindicações por terra e soberania dos mapuches, a quem visita nesta quarta (17), aos estudantes que protestaram por ensino gratuito em 2011 e à chegada cada vez maior de imigrantes da Venezuela e do Haiti.

Embora o presidente eleito, Sebastián Piñera, tenha manifestado desejo de se reunir com o pontífice, este respeitou o protocolo e só se reuniu com Michelle Bachelet, que deixa o posto em março.

Em tom amigável, os dois conversaram e caminharam. Não foi divulgado o teor da conversa, portanto não se sabe se o papa abordou a reivindicação de território pela Bolívia, causa pela qual já manifestou simpatia.

À tarde, Francisco e Bachelet visitaram uma penitenciária feminina, onde 400 mulheres o receberam abanando lenços e cantando. O sacerdote ouviu depoimentos de algumas e as abençoou. No fim do dia, na Catedral de Santiago, o papa voltou a referir-se aos abusos sexuais.

"[Enfrentem] a realidade como ela se apresenta", afirmou, acrescentando que a Igreja vive "momentos de turbulência", mas "devemos passar de uma Igreja abatida e desolada para uma Igreja capaz de colocar-se a serviço dos abatidos e desolados".

À noite, o Vaticano afirmou que o pontífice se encontrou com um grupo de vítimas de abuso sexual cometidos por padres. Segundo o porta-voz da Igreja Católica, Greg Burke, Francisco esteve sozinho com as vítimas e "ouviu, rezou e chorou com eles".

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