ESTELITA HASS CARAZZAI
DE WASHINGTON

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acaba de completar um ano na Casa Branca com uma das menores taxas de aprovação em tal período. Além disso, enfrenta acusações de incapacidade mental, especulações sobre impeachment e uma investigação do FBI por conspiração com a Rússia.

Mas pelo menos uma área lhe trouxe boas notícias: a economia. Em tuítes, o republicano se gaba de ter gerado "BILHÕES E BILHÕES" de dólares (assim mesmo, em superlativas maiúsculas) em renda e empregos.

De fato, o país tem vivido uma bonança. A economia americana cresceu cerca de 3% em 2017, a taxa de desemprego caiu a 4% e a inflação está na casa dos 2%.

O governo teve suas conquistas: aprovou a primeira reforma tributária do país em 30 anos, que reduziu o imposto para empresas de 35% para 21%, e iniciou uma cruzada antirregulamentações, que incluiu uma cerimônia cênica com pilhas de papel e o corte de uma fita vermelha —na gíria do inglês, a tira de tecido dessa cor encarna o excesso de burocracia estatal.

Mas economistas ouvidos pela Folha afirmam que boa parte da bonança veio por inércia. "Trump herdou uma economia muito bem arrumadinha, que já vinha crescendo", comenta a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute, em Washington.

Ao longo dos últimos anos, o ex-presidente Barack Obama, que assumiu em meio aos ecos da crise de 2008, conseguiu retomar o crescimento econômico e regular novamente os mercados.

Além disso, o bom desempenho de outras economias mundiais, como China e Japão, ajuda os EUA.

"Lógico que é preciso dar crédito ao que Trump tem feito", pondera o economista Desmond Lachman, pesquisador do American Enterprise Institute.

Além de não desarrumar a casa e dar continuidade à política monetária do antecessor, Trump melhorou a competitividade do país com a reforma tributária, considerada seu principal triunfo. As empresas passaram a ter alíquotas comparáveis às de outros países desenvolvidos.

Já a diminuição de regulações alivia as corporações e as encoraja a investir, segundo Lachman.

É difícil quantificar se isso já teve efeitos práticos. Trump atribuiu recentes anúncios de investimentos de Apple, Walmart e AT&T à reforma tributária, aprovada em dezembro. "É prematuro afirmar isso", analisa Bolle, para quem o discurso é "só propaganda".

Mas os especialistas concordam que as mudanças geram euforia nos mercados e no eleitorado. "As pessoas gostam de ver o desemprego em baixa, a Bolsa em alta", diz Lachman, para quem o estado da economia é um ativo político do presidente e pode ajudar a elevar seu baixo índice de aprovação —hoje, em 38%, segundo o instituto Gallup.
A questão, segundo o economista, é saber se essa maré é sustentável.

RISCOS

Lachman compara a atual situação a um "pico de açúcar", normalmente sucedido por uma queda abrupta. Na economia, isso seria comparável a uma nova bolha, como a de 2008.

Estimular a economia em um momento de crescimento ajuda a precipitar esse pico, segundo o especialista. No médio prazo, o corte de impostos de Trump deve, por exemplo, aumentar o déficit do governo —justamente o contrário do que é esperado num período de bonança. Já o esforço antirregulatório pode bagunçar o mercado, em especial no setor financeiro.

No curto prazo, a principal ameaça está nas promessas de Trump de alterar acordos de comércio internacional.

O republicano quer reduzir os déficits comerciais com países como México e China —pauta que não faz sentido, segundo Bolle.

"É uma visão muito estreita, completamente equivocada", diz a economista. Segundo ela, há questões estruturais que justificam o déficit dos EUA, como a busca por matéria-prima na China.

Mas Trump criou uma "narrativa política", ainda que sem fundamento. Nela, o déficit é o motivo pelo qual alguns americanos não têm emprego, segundo Lachman.

A simples intenção do republicano de mexer em acordos comerciais gera incertezas e já afeta o humor de parceiros internacionais. Se ele efetivamente impuser mudanças no Nafta, por exemplo, ou tarifar produtos chineses, as consequências para a economia americana serão "muito, muito ruins", de acordo com Lachman.

Nesta semana, Trump deve divulgar sua política de "América primeiro" no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Será o primeiro presidente americano a ir ao evento desde Bill Clinton.

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