Terroristas de Barcelona podem ter tido torre Eiffel como alvo

Crédito: Joan Revillas - 18.ago.2017/Associated Press Policiais tiram botijões de gás de casas próxima à base dos terroristas de Barcelona em Alcanar
Policiais tiram botijões de gás de casas próxima à base dos terroristas de Barcelona em Alcanar

RUKMINI CALLIMACHI
DO "NEW YORK TIMES"

Nas semanas que antecederam seu ataque a Barcelona, em agosto de 2017, os membros da célula responsável pelo atentado e inspirada na facção terrorista Estado Islâmico viajaram repetidas vezes à França, onde adquiriram uma câmera e gravaram imagens da torre Eiffel.

O vídeo, bem como uma quantidade espantosa de produtos químicos precursores usados na fabricação de explosivos, foi encontrado em um dos esconderijos usados pelos terroristas. E isso levou especialistas a concluir que eles estavam planejando algo de muito maior e mais catastrófico.

Os materiais que deixaram para trás sugerem que seu plano envolvia carregar furgões com explosivos e atacar alvos não apenas na Espanha, onde a célula matou 16 pessoas e feriu outras 140, mas possivelmente também na França.

"Os indícios existentes mostram que a célula tinha planos para uma operação muito mais ambiciosa e potencialmente mais mortífera", escreveram Fernando Reinares e Carola Garcia-Calvo, do Programa de Terrorismo Mundial do Real Instituto Elcano, em Madri, em um estudo publicado na quarta-feira (24).

"Considerando os recursos locais reunidos pelos terroristas e suas intenções homicidas, o número de mortos poderia ter chegado às centenas, se eles não tivessem acidentalmente explodido sua fábrica de bombas", afirma o relatório, publicado pelo "CTC Sentinel", publicação do Centro de Combate ao Terrorismo, em West Point, nos EUA.

As conclusões se baseiam em entrevistas com investigadores, revisão de processos judiciais e análise de vídeos, imagens e outros materiais recolhidos nos locais investigados.

Os planos do grupo foram frustrados em 16 de agosto, quando uma manobra dentro de uma casa abandonada em Alcanar, onde eles estavam secando pó explosivo, levou a mistura a detonar.

A devastadora explosão demoliu a casa, soterrando e matando dois dos dez membros da célula e causando ferimentos a um terceiro, de acordo com o estudo.

Isso levou os demais membros da célula a acelerar o cronograma de seus atentados, e a realizar ataques improvisados nos dois dias seguintes —os mais letais realizados na Espanha desde os ataques com bombas de Madri em 2004.

Os atacantes usaram um furgão para atropelar pedestres, no popular bulevar Las Ramblas de Barcelona, e nove horas mais tarde usaram outro carro para atropelar turistas em um calçadão da cidade litorânea de Cambrils, também na Catalunha.

QUÍMICOS

Nas ruínas calcinadas da fábrica de bombas da facção, os investigadores recuperaram 500 litros de acetona e 340 litros de água oxigenada.

Os dois produtos químicos são os ingredientes brutos para a produção de triperóxido de triacetona, ou TATP, o explosivo que caracteriza os ataques do Estado Islâmico na Europa.

Os investigadores estimam que a célula terrorista dispusesse de precursores suficientes para a produção de entre 200 e 250 quilos de TATP, de acordo com o estudo.

Em comparação, as malas-bomba usadas no atentado que matou 32 pessoas e deixou mais de 320 feridos no aeroporto de Bruxelas, em março de 2016, pesavam cada qual menos de 20 quilos.

A célula de Barcelona adquiriu a maioria dos ingredientes para suas bombas caseiras em 1º, 2 e 16 de agosto, de acordo com o estudo. Os dois furgões usados nos ataques foram alugados por sete dias no dia 16, o que sugere que o ataque planejado pela célula aconteceria naquela semana.

Nos destroços da propriedade de Alcanar, investigadores recuperaram um caderno portando o nome de Abdelbaki Es Satty, o membro mais velho da célula e seu suposto líder e recrutador.

Em uma folha guardada dentro do caderno, eles encontraram uma nota manuscrita em árabe descrevendo os membros da célula como "soldados do Estado Islâmico na terra de al-Andalus", o termo que a organização extremista usa para se referir à península Ibérica.

Horas depois do primeiro ataque, e também logo depois do segundo, a agência de notícias do Estado Islâmico, Amaq, reivindicou crédito pelos atentados, descrevendo os terroristas como "soldados do Estado Islâmico".

A reivindicação foi repetida e ampliada por outros veículos de mídia do Estado Islâmico, entre os quais a revista on-line da facção.

Não surgiram provas concretas de que os membros da célula tivessem sido instruídos por agentes do Estado Islâmico, como aconteceu em diversos outros ataques realizados na Europa.

VIAGENS

Mas os investigadores continuam tentando a deslindar as viagens realizadas por membros da célula, entre os quais quatro pares de irmãos, todos na casa dos 20 anos ou ainda mais jovens, nos meses que precederam o ataque.

Por exemplo, Younes Abouyaaqoub, que dirigiu o furgão no ataque a Las Ramblas, visitou a França três vezes entre julho e dezembro de 2016, e de novo em 11 e 12 de agosto de 2017, dias antes do ataque.

Em sua última viagem a Paris ele se hospedou em um hotel em Malakoff, a cerca de seis quilômetros do subúrbio parisiense de Villejuif, onde em 6 de setembro as autoridades descobriram um laboratório da fabricação de TATP operado por homens que se comunicavam por telefone com a Síria, afirmam os pesquisadores.

Dois outros membros da célula de Barcelona fizeram uma viagem não explicada a Zurique em dezembro de 2016, e aproximadamente uma semana antes do ataque, ainda outro membro da célula, Driss Oukabir, passou nove dias no Marrocos. Quando questionados, os parentes deles disseram que era estranho que ele não tivesse aproveitado a viagem para visitar seu pai.

Os motivos para a viagem continuam incertos, e é possível que um ou mais membros da célula tenham viajado para fazer contato com agentes do Estado Islâmico, disseram os pesquisadores.

O que se sabe é que, durante a viagem a Paris, os membros da célula compraram uma câmera de vídeo e a usaram para filmar a torre Eiffel. O mesmo vídeo, recuperado entre os destroços, mostra Mohamed Hichamy, um dos membros da célula, no esconderijo, segurando um bloco de TATP e dizendo "espanhóis, vocês vão sofrer".

Além das imagens da torre Eiffel, um celular usado por um dos membros da facção revelou buscas no Google Maps quanto a diversos locais da Espanha, entre as quais a igreja Sagrada Família e o estádio de futebol Camp Nou, em Barcelona, sugerindo que esses marcos históricos também poderiam estar entre os alvos.

As autoridades espanholas revelaram aos seus colegas franceses que haviam recuperado imagens da torre Eiffel, logo depois do ataque a Barcelona, no final do ano passado.

De acordo com os investigadores, o governo francês determinou que a célula também podia estar planejando um ataque a Paris. Isso levou à decisão de instalar uma cerca de vidro em torno da Torre Eiffel, em um esforço para proteger o monumento contra ataques por veículos e armas de fogo portáteis.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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