Descrição de chapéu mahatma-gandhi

70 anos após sua morte, nacionalismo plural de Gandhi é desvirtuado

DE SÃO PAULO

Quando foi assassinado, em 30 de janeiro de 1948, Mahatma Gandhi havia interrompido sua última greve de fome "até a morte" havia poucos dias.

A luta pela independência e a divisão do Império Britânico das Índias em uma União Indiana hindu, de um lado, e o Paquistão, de maioria muçulmana, do outro, no ano anterior, continuava gerando batalhas sangrentas entre ambos os lados.

Mais de meio milhão de pessoas foram mortas em distúrbios religiosos, enquanto milhões de hindus e sikhs migravam do Paquistão para a Índia, e muçulmanos faziam o caminho inversos, através das recém criadas fronteiras regionais.

"Meu jejum é sem dúvida em defesa da minoria muçulmana na União Indiana e, portanto, é necessariamente contra hindus e sikhs da união e os muçulmanos do Paquistão. É também em defesa das minorias no Paquistão", afirmara Mohandas Karamchand Gandhi, o Mahatma, na ocasião.

Sua declaração enraiveceu nacionalistas hindus e também políticos moderados que viam em sua ação um subterfúgio para um acirramento ainda maior das tensões. Foi pelas mãos do ultranacionalista hindu Nathuram Godse que Gandhi morreu.

"Aquele jejum foi corajoso naquela época e seria ainda mais corajoso agora", afirma à Folha Samir Saran, vice-diretor do think tank Observer Research Foundation, com sede em Nova Délhi.

"Mas hoje é impensável que alguém tentasse tal jejum e mantivesse alguma credibilidade, tendo em vista a difamação que seria inevitavelmente lançada pela mídia social e pelas notícias na TV."

Saran não exagera. Uma cena inexistente em um filme de Bollywood, "Padmaavat", em que, segundo os boatos que se propagaram via redes sociais, uma lendária rainha hindu do século 16 protagoniza cenas tórridas com um rei muçulmano, gerou protestos e até ameaças de morte no país.

A Índia vive ainda o fenômeno do "vigilantismo da vaca" - grupos são formados para vigiar rebanhos do animal, considerado sagrado no país, e atacam muçulmanos que, também segundo boatos, teria sido vistos comendo ou matando vacas.

"Esses não são fenômenos isolados. Ao redor do país, grupos antes empoderados tentam manter privilégios sociais, às vezes através de agitações sociais, às vezes por meio da intimidação e da violência", afirma Saran. "É um processo que tem crescido na última década."

À agência France Presse, Arun Gandhi, neto do Mahatma, avaliou que o avô teria ficado "extremamente infeliz" se testemunhasse o ressurgimento do nacionalismo hindu.

"É um círculo muito vicioso e isso se agrava com um governo de direita no poder", afirma, em referência o premiê Narendra Modi.

"A religião na política é uma noção bem 'gandhiana'", afirma Saran. "A questão é como é usada: para construir a unidade nacional, como era o objetivo de Gandhi, ou como afirmação divisiva."

"Como premiê, os discursos públicos de Modi têm se mantido acima das disputas, mas a inabilidade de seu governo de punir e processar aqueles às margens que, de muitas maneiras, sequestraram seu mandato permitiu com que o centro fosse comprometido. Isso é algo em que governos sucessivos falharam."

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