Agressivo e intimidador, advogado 'apaga incêndios' de Trump

Michael Cohen trabalha para o presidente americano desde 2006

Nova York

Quando relatos de indiscrições sexuais do passado ameaçaram emergir durante a campanha presidencial de Donald Trump, o trabalho de impedir que histórias potencialmente danosas emergissem coube a Michael Cohen, advogado e "apagador de incêndios" do presidente há muito tempo.

Michael Cohen, advogado pessoal de Trump
Michael Cohen, advogado pessoal de Trump - Jonathan Ernst - 19.set.17/Reuters

Para proteger seu chefe em momentos cruciais de sua ascensão política improvável, o advogado recorreu a intimidação, pagamentos e à principal editora de jornais sensacionalistas dos Estados Unidos, a American Media, entre cujos principais executivos Trump tem aliados importantes,

O papel de Cohen começou a ser examinado depois de recentes revelações de que ele intermediou um pagamento para silenciar uma estrela pornô, mas seus esforços agressivos nos bastidores começaram muitos anos atrás, de acordo com entrevistas, e-mails e outros registros.

Eles se intensificaram quando Trump iniciou sua campanha presidencial, na metade de 2015, ocasião em que o antigo administrador de um fundo de hedge informou a Cohen que havia obtido fotos de Trump ao lado de uma mulher com os seios nus.

O homem disse que Cohen primeiro estourou com ele e depois o encaminhou a Daniel Pecker, o presidente do conselho da American Media, que ocasionalmente compra, e em seguida destrói, materiais embaraçosos sobre seus amigos e aliados.

No começo de 2016, depois que um site de notícias jurídicas encontrou processos judiciais antigos nos quais uma antiga sócia de Trump o acusava de delitos sexuais, Cohen divulgou um comunicado afirmando que a mulher, Jill Harth, "reconheceria" que a história era falsa. Harth afirmou que a declaração foi feita sem sua permissão, e que confirma o que afirmou na acusação. Não foi a primeira vez que Cohen divulgou negativas em nome de mulheres envolvidas em supostos encontros sexuais com Trump.

Em agosto daquele ano, Cohen foi informado sobre um acordo entre a American Media e uma antiga modelo da revista "Playboy", Karen McDougal, nos termos do qual ela não poderia falar em público sobre um suposto caso com Trump.

Cohen não representava qualquer das partes envolvidas no acordo confidencial, mas foi informado a respeito pelo advogado de McDougal, e antes havia sido notificado pela companhia de mídia da tentativa da modelo de contar a história, de acordo com entrevistas e um e-mail vistos pelo "New York Times".

Dois meses mais tarde, Cohen desempenhou papel direto em um acordo semelhante com uma estrela de cinema adulto, Stormy Daniels, que havia declarado que teve um caso com Trump.

Na semana passada, Cohen disse que usou dinheiro pessoal para pagar os US$ 130 mil recebidos por Daniels, o que causou queixas de que ele violou as regras de financiamento de campanha eleitoral. Especialistas em questões legais também disseram que a realização de pagamentos em nome de seu cliente pode ter violado as normas éticas quanto ao exercício da advocacia em Nova York.

Cohen, que continua a ser descrito como advogado pessoal de Trump embora já não trabalhe para as Organizações Trump, nega qualquer violação e insiste em que todos os arranjos em que se envolveu foram legais.

Em entrevista, ele negou detalhes de algumas de suas outras atividades descritas ao "New York Times", mas jamais refutou as afirmações quanto ao seu papel de leal defensor de Trump. "Não é como se eu só trabalhasse para Trump", disse Cohen em entrevista em 2016. "Sou seu amigo, e faria qualquer coisa por ele e por sua família".

Um exame dos esforços para proteger Trump quanto a alguns aspectos de seu passado demonstram a maneira pela qual Cohen costumava manobrar no mundo dos veículos de fofoca, povoado por estrelas pornô e modelos fotográficas, editores de jornais sensacionalistas e advogados que representam figuras menores do mundo do entretenimento —um mundo que veio a ganhar destaque especial na mais recente eleição presidencial norte-americana.

Fotos ousadas

Foi em julho de 2015 que Cohen recebeu um telefonema de Jeremy Frommer, administrador de fundos de hedge tornado empreendedor de mídia digital, que havia obtido fotos de Trump aparentemente autografando os seios nus de uma mulher na casa de Bob Guccione, fundador da revista "Penthouse". Cohen não gostou nem um pouco.

"Ele ficou furioso", disse Frommer em entrevista. "Disse que se eu publicasse as fotos, acabaria comigo".

Natural de Long Island, Cohen começou sua carreira como advogado de porta de cadeia e gerente de uma frota de táxis, e conheceu Trump ao adquirir imóveis em um de seus edifícios. Falar duro é parte de seu estilo.

Depois que começou a trabalhar para as Organizações Trump, em 2006, o papel que Trump reservou a ele era claro: uma mistura de porta-voz agressivo e de subordinado capaz de enfrentar ferozmente os antagonistas do magnata no ramo dos imóveis.

Era o mesmo trabalho que Roy Cohn, mais conhecido como assessor jurídico do senador Joseph McCarthy (notório por suas operações de caça aos comunistas nos anos 50) havia desempenhado para Trump décadas antes. O trabalho de Cohen para seu patrão era misterioso até mesmo para as demais pessoas do escritório, em muitos casos, mas a devoção dele era clara.

Ao falar com Cohen, Frommer mencionou Pecker. Anos antes, Frommer havia vendido à American Media direitos exclusivos sobre uma foto sugestiva de Arnold Schwarzenegger —que a empresa não publicou— e ele conhecia o presidente-executivo do grupo.

Frommer recorda que Cohen respondeu que "sim, conheço Pecker". "Foi então que a conversa se acalmou", acrescentou Frommer.

Pecker e Trump, par constante na imprensa sensacionalista dos Estados Unidos desde os anos 80, são amigos há décadas. O relacionamento beneficiou Trump durante toda a campanha. O "National Enquirer", principal jornal sensacionalista da American Media, o tratava de modo positivo e atacava impiedosamente seus adversários, como Ted Cruz, Ben Carson e, por fim, Hillary Clinton.

Cohen criou um relacionamento pessoal com Pecker, mantendo contato com ele e um de seus principais executivos, Dylan Howard, ao longo de toda a campanha.

A American Media admite os laços, afirmando em declaração que "Michael Cohen e o presidente Trump são amigos pessoais de Pecker há décadas". Mas afirmou que nem eles e "nem qualquer outra pessoa tentou influenciar, influenciou (ou influenciará) a cobertura das publicações da AMI. Ponto".

Depois do estouro inicial, contou Frommer, ele e Cohen logo combinaram que as fotos seriam encaminhadas a Pecker. Os dois em seguida começaram a discutir possíveis negócios, entre os quais uma entrevista com Trump, como parte de um projeto conjunto entre a American Media e a Jerrick Media, a empresa de Frommer, de acordo com mensagens de texto e e-mails vistos pelo "New York Times".

"Conversei com Cohen, tudo resolvido. Muito bem!", disse Pecker em uma troca de mensagens de texto com Frommer em julho de 2015.

Dois meses depois, Frommer expressou dúvidas quanto a Trump conceder de fato a entrevista ao seu site. Cohen respondeu em 5 de outubro: "Não, pode relaxar. Estou de olho e garanto que vai acontecer".

Frommer disse que havia garantido a Cohen, naquele momento, que não publicaria as fotos —"eu disse que ele não se preocupasse, porque eu não pretendia publicá-las"—, mas que a decisão nada tinha a ver com as negociações entre eles.

Por fim, a American Media concluiu que as fotos não tinham grande valor. A entrevista e os demais negócios nunca se materializaram para Frommer, que terminou postando uma das fotos de Trump em seu site.

A American Media declarou que não tinha interesse em suprimir as fotografias. Mas no começo de 2o16, um executivo da empresa, falando sob a condição de que seu nome não fosse mencionado porque ele estava revelando debates internos da empresa, disse que quando começaram as negociações entre a AMI e Frommer, o objetivo era suprimir as fotos, como parte dos esforços da American Media para "recolher e eliminar" qualquer informação prejudicial a Trump.

Em entrevista na sexta-feira, Cohen admitiu ter encaminhado Frommer à AMI, mas disse que o fez não por conta das fotos de Trump, e sim de fotos de "outro indivíduo notável que eu não queria e nem tinha interesse em ver".

Na época, porém, Cohen admitiu que estava ansioso por manter as fotos escondidas. "O Sr. Trump tem família", ele disse. "Eu sentia que precisava proteger a família".

História de uma 'playmate'

Para Cohen e Trump, a American Media era mais que uma empresa com a qual podiam contar para cobertura favorável. Também era a companhia que pessoas interessadas em vender informações potencialmente prejudiciais a Trump provavelmente procurariam.

Na metade de 2016, a American Media procurou Cohen com uma história envolvendo McDougal, antiga "playmate" [modelo do pôster central] da revista "Playboy". Ela afirmava ter tido um caso consensual com Trump na metade dos anos 2000, quando o casamento dele com Melania Trump estava no começo. Trump nega.

McDougal contratou Keith  Davidson, um advogado de Hollywood, que procurou seus contatos na American Media.

Depois de negociações intermitentes por cerca de dois meses, a empresa concordou em pagar US$ 150 mil a McDougal pelos direitos exclusivos sobre sua história, além de lhe prometer oportunidades de publicidade e marketing nas revistas de fitness do grupo. O contrato não mencionava Trump, mas requeria que ela mantivesse o silêncio sobre seu relacionamento com um homem casado.

A American Media informou Cohen sobre as afirmações de McDougal, ainda que tenha afirmado que o fez apenas como parte de seu trabalho para corroborar a história, o que por fim não foi possível. Mas esse não foi o único alerta que Cohen recebeu.

Pouco depois da assinatura do contrato confidencial por McDougal, em 5 de agosto de 2016, Davidson entrou em contato com Cohen por e-mail, pedindo que ele telefonasse. Davidson mais tarde explicou a Cohen pelo telefone que a transação com McDougal havia sido concluída, de acordo com uma pessoa informada sobre a conversa. Cohen disse que "não me recordo dessas comunicações".

Davidson reconheceu que a história de McDougal é de interesse público mas disse que "não estou autorizado a discutir informações privativas de uma cliente".

Nos meses seguintes ao acordo entre McDougal e a American Media, o relacionamento de Trump com as mulheres começou a atrair mais escrutínio, durante a campanha. A divulgação de uma gravação na qual ele falava sobre agarrar a genitália feminina inspirou numerosas mulheres a acusá-lo de agarrá-las ou beijá-las contra a vontade delas.

De acordo com pessoas que tiveram contato com McDougal nesse período, ela expressou frustração com o que definiu como demora da American Media para cumprir o combinado no contrato, e com a resposta pífia de Davidson às suas queixas.

Ela consultou Theodore Boutrous  Jr., um advogado especialista em questões de liberdade de expressão que em outubro de 2016 havia prometido defender qualquer pessoa acusada por Trump em função de declarações sobre ele. Boutrous representou McDougal por algum tempo, tendo por foco primário o contrato restritivo entre ela e a American Media; no final de novembro de 2016, a empresa concordou em que ela poderia responder a questões "legítimas" da imprensa sobre o suposto caso.

A história de McDougal por fim se tornou pública, em um artigo publicado pelo "Wall Street Journal" dias antes da eleição. A revista "New Yorker" publicou novos detalhes, entre os quais uma entrevista com ela, na semana passada.

Domando uma tempestade

Ao longo dos anos, Cohen estabeleceu contatos tão firmes com Davidson, o advogado de McDougal, que quando a revista "New York" publicou um perfil de Davidson, no ano passado, Cohen foi entrevistado e o elogiou entusiasticamente: "Ele sempre foi profissional, ético e um verdadeiro cavalheiro". (A ordem dos advogados da Califórnia suspendeu a licença de advocacia de Davidson por 90 dias, em 2010, por quatro delitos de conduta.)

A lista de clientes de Davidson inclui atletas profissionais como Jalen Rose e Manny  Pacquiao, bem como frequentadores regulares das páginas de fofocas, o que o colocou em posição central nos casos de diversas pessoas que tiveram vídeos de sexo vazados, entre as quais o ator Verne Troyer, de "Austin Powers: O Agente Bond Cama"; o lutador de telecatch  Hulk  Hogan; e a modelo da "Playboy" e apresentadora da MTV Tila Tequila. Por isso, ele foi uma escolha natural para Stormy Daniels quando ela tentou vender a história de seu relacionamento com Trump.

Daniels afirmava que ela e Trump tiveram um relacionamento sexual consensual, depois de se conhecerem em um torneio de golfe de celebridades, cerca de 10 anos atrás. Trump nega.

Cerca de dois meses depois de a história de McDougal ter sido efetivamente bloqueada por seu contrato com a American Media, Davidson começou a negociar o silêncio da atriz de cinema adulto. Desta vez, porém, o negociador na outra ponta era Cohen.

A atriz, cujo nome real é Stephanie Clifford, aceitou um pagamento de US$ 130 mil, na metade de outubro, em troca de manter o silêncio, de acordo com contratos vistos pelo "New York Times" e pessoas informadas sobre o assunto.

Para realizar o pagamento, Cohen criou uma empresa chamada Essential Consultants, sediada no Delaware; o "Wall Street Journal" foi o primeiro a divulgar a existência da companhia, no mês passado. Cohen declarou, em comunicado encaminhado ao "New York Times" no mês passado, que o dinheiro era dele.

Clifford deu a entender nos últimos dias que acredita que Cohen violou o acordo entre eles, e que está se preparando para falar. Em 2011, ela havia contado sua história sobre Trump a duas publicações de fofocas. Uma delas, a revista "In Touch", não publicou a reportagem depois de Cohen tê-la ameaçado de ação judicial agressiva, reportou a agência de notícias Associated Press no mês passado.

O outro veículo, o site The Dirty, removeu uma reportagem curta depois que Davidson ameaçou processo, apenas um dia depois de sua cliente ter falado ao site, de acordo com Nik Ritchie, fundador do The Dirty, e com uma carta vista pelo "New York Times".

Depois que o negócio entre McDougal e a American Media foi concluído, Davidson passou a trocar mensagens de texto e e-mails, e a conversar regularmente pelo telefone, com Cohen, de acordo com pessoas informadas sobre o relacionamento; eles estiveram em contato na semana passada, quando Davidson confirmou publicamente a declaração de Cohen de que o pagamento a Clifford havia sido feito pessoalmente por ele.

Cohen encaminhou um novo cliente a Davidson, Chuck LaBella, antigo executivo da rede de televisão NBC que trabalhou com Trump em " The Apprentice" e no concurso de beleza "Miss USA".

LaBella se tornou alvo de uma intensa campanha no Twitter —liderada pelo comediante Tom Arnold, ardoroso crítico de Trump— para que ele revele tudo que souber sobre desvios de comportamento de Trump. Ele se tornou cliente de Davidson no final do ano passado, de acordo com pessoas informadas sobre o assunto.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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