Descrição de chapéu The New York Times

Após tiroteio na Flórida, robôs russos atacam para dividir

Contas automáticas no Twitter dispararam mensagens com conteúdo falso ou polêmico

Sheera Frenkel Daisuke Wakabayashi
San Francisco | The New York Times

Uma hora depois que saiu a notícia sobre o tiroteio em uma escola da Flórida na semana passada, contas no Twitter suspeitas de ter ligações com a Rússia lançaram centenas de postagens que tratavam do debate sobre o controle de armas.

As contas abordavam as notícias com a velocidade de uma rede de TV a cabo. Algumas adotaram o hashtag  #guncontrolnow (controle de armas já). Outras usaram #gunreformnow (reforma das armas já) e #Parklandshooting (tiroteio em Parkland).

Mais cedo na quarta-feira (14), antes da chacina na Escola Secundária Marjory  Stoneman Douglas em Parkland, na Flórida, muitas dessas contas enfocavam a investigação do procurador especial Robert Mueller sobre a interferência russa na eleição presidencial de 2016.

"Isso é típico deles, agarrar-se a notícias frescas como essa", disse Jonathon  Morgan, executivo-chefe da New Knowledge, uma empresa que rastreia campanhas de desinformação online. "Os robôs se concentram em qualquer coisa que cause divisão entre os americanos. De maneira quase sistemática."

Uma das questões mais divisivas no país é como lidar com as armas, colocando os defensores da Segunda Emenda da Constituição contra os proponentes do controle das armas. E as mensagens dessas contas automáticas, conhecidas como "bots" [abreviação de "robots"], foram criadas para dividir e dificultar o entendimento.

Qualquer evento noticioso —por mais trágico que seja— torna-se combustível para espalhar mensagens inflamatórias. Acredita-se que seja uma ampla campanha de desinformação russa. A desinformação vem em diversas formas: vídeos sobre conspiração no YouTube, falsos grupos de interesse no Facebook e exércitos de contas robôs capazes de sequestrar uma discussão no Twitter.

Essas contas automatizadas no Twitter foram acompanhadas de perto por pesquisadores. No ano passado, a Aliança para Garantir a Democracia, em juntamente com o Fundo Marshall Alemão, um grupo de pesquisas de políticas públicas em Washington, criaram um site na web que rastreia centenas de contas no Twitter de usuários humanos e supostos bots com possíveis ligações com uma campanha de influência russa.

Os pesquisadores se concentraram nas contas do Twitter que postam informação de acordo com material que vem de conhecidos canais de propaganda russos. Para localizar um bot, eles procuram certos sinais, como um alto volume de postagens ou conteúdo claramente parecido com o de outras contas.

Os pesquisadores disseram que viram quando os bots começaram a postar sobre o tiroteio em Parkland pouco depois que aconteceu.

Amplificadas por enxames de bots, as contas no Twitter ligadas à Rússia tentaram fomentar a discórdia antes e depois da eleição para presidente. Centenas de contas promoveram histórias falsas sobre Hillary Clinton e espalharam artigos com base em e-mails vazados de agentes democratas que foram obtidos por hackers russos.

Facebook, Google e Twitter anunciaram, em graus variados, novas medidas para eliminar as contas de robôs, e contrataram mais moderadores para ajudá-las a eliminar a desinformação de suas plataformas.

Mas desde a eleição os bots ligados à Rússia se reuniram em torno de outras questões divisivas, muitas vezes as que o presidente Donald Trump havia comentado em tuítes. Eles promoveram hashtags no Twitter (como #boycottnfl, #standforouranthem e #takeaknee) depois que jogadores da Liga Nacional de Futebol (NFL na sigla em inglês) começaram a se ajoelhar durante a execução do hino nacional em protesto contra a injustiça racial.

As contas automatizadas no Twitter ajudaram a popularizar o hashtag #releasethememo (divulguem o memorando), que se referia a um memorando secreto de deputados republicanos que sugeria que o FBI e o Departamento de Justiça abusaram de sua autoridade para obter um mandado para espionar um ex-assessor de campanha de Trump. O debate sobre o memorando ampliou o cisma entre a Casa Branca e seus próprios órgãos judiciais.

Os bots vão "encontrar qualquer assunto polêmico e, em vez de transformá-lo em uma oportunidade para compromisso e negociação, fazem dele uma questão insolúvel borbulhando de frustração", disse Karen North, professora de mídia social na Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo na Universidade do Sul da Califórnia. "Eles apenas aumentam a frustração e a raiva."

Autoridades de inteligência dos EUA advertiram que agentes maliciosos tentarão espalhar desinformação antes das eleições de meio de mandato em 2018. Em depoimento ao Congresso no ano passado e em reuniões privadas com legisladores, as empresas de redes sociais prometeram que atuarão melhor em 2018 do que em 2016.

Mas a campanha no Twitter sobre o tiroteio de Parkland é um exemplo de como os agentes russos continuam firmes.

"Tivemos mais de um ano para aperfeiçoarmos nossa atuação, abordar a ameaça representada pela Rússia e implementar uma estratégia para impedir futuros ataques, mas acredito que infelizmente ainda não temos um plano abrangente", disse o senador democrata Mark Warner, da Virgínia, vice-presidente da Comissão de Inteligência do Senado, durante uma audiência neste mês sobre ameaças globais aos EUA.

"O que estamos vendo é um ataque constante da Rússia para atingir e minar nossas instituições democráticas, e eles vão continuar nos atacando."

Quando os robôs russos saltaram sobre o hashtag  #Parklandshooting —inicialmente criado para transmitir notícias sobre o ataque—, elas rapidamente aguçaram as tensões. Explorando o tema da doença mental no debate sobre o controle de armas, propagaram a ideia de que Nikolas Cruz, o atirador, era um "assassino solitário" doente mental. Eles também afirmaram que ele tinha pesquisado frases em árabe no Google antes do tiroteio. Ao mesmo tempo, os bots começaram outros hashtags, como #ar15, o nome do rifle semiautomático usado no tiroteio, e #NRA (Associação Nacional do Rifle).

O comportamento dos bots segue um padrão, disse Morgan, um dos pesquisadores que trabalharam com o Fundo Marshall Alemão para criar o site Hamilton 68, que monitora a atividade de robôs e contas falsas no Twitter.

Os bots visam uma questão polêmica como relações raciais ou armas e atiçam o fogo, muitas vezes animando os dois lados e criando dúvida no público sobre instituições como a polícia ou a mídia. Qualquer questão associada a opiniões extremistas é um alvo ideal.

O objetivo é promover ideias marginais na "corrente ligeiramente mais dominante", segundo Morgan. Se pessoas conhecidas retuitarem as mensagens dos bots ou simplesmente publicarem links para um site que os bots estejam promovendo, as mensagens ganham um tom de legitimidade.

Uma acusação divulgada na sexta-feira (16) por Mueller como parte da investigação da interferência russa na eleição mencionava uma conta russa no Twitter, @TENGOP, que posava como uma conta republicana do Tennessee e atraiu mais de 100 mil seguidores.

Mensagens dessa conta, hoje deletada, foram retuitadas pelos filhos do presidente e por assessores próximos como Kellyanne Conway e Michael T. Flynn, o ex-assessor de segurança nacional.

A acusação também descreveu como contas fraudulentas russas no Twitter tentaram levar americanos reais à ação. A acusação dizia que a conta falsa no Twitter @MarchforTrump tinha organizado comícios políticos para Trump em Nova York antes da eleição, incluindo uma "Marcha para Trump" em 25 de junho de 2016 e uma reunião "Abaixo Hillary" em 23 de julho de 2016.

Na manhã de sexta-feira, os bots que divulgavam os tuítes originais sobre o tiroteio em Parkland tinham mudado para o —hashtag #falseflag —termo usado por teóricos da conspiração para se referir a uma operação secreta do governo que é realizada para parecer outra coisa— com uma teoria conspiratória de que o tiroteio nunca aconteceu.

Na segunda, os bots tinham novos alvos: a corrida de carros Daytona 500 em Daytona Beach, na Flórida, e notícias sobre William Holleeder, um homem que está sendo julgado na Holanda por suposta participação em seis assassinatos por gangues. Não está claro por quê.

Tradução: LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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