Ataques em escolas colocam professores como escudos humanos

Estudante carrega cartaz mostrando em que ataques a tiros foi usado o fuzil AR-15 em protesto em Raleigh, na Carolina do Norte
Estudante carrega cartaz mostrando em que ataques a tiros foi usado o fuzil AR-15 em protesto em Raleigh, na Carolina do Norte - Jonathan Drake/Reuters
Julie Turkewitz
Tamarac (EUA) | The New York Times

O ataque estava encerrado, mas o acerto de contas emocional estava apenas começando. No sábado, os professores do condado de Broward lotaram o auditório da sede de seu sindicato para discutir o que significava seu novo papel como escudos humanos da nação.

"Na noite de ontem, eu disse à minha mulher que, se preciso, levaria um tiro por meus alunos", disse Robert Parish, professor de uma escola primária a apenas alguns quilômetros de distância da Marjory Stoneman Douglas High School, onde um ex-aluno matou 17 pessoas, entre as quais pelo menos três membros do corpo docente que se viram na linha de fogo.

Em todo o país, os professores norte-americanos estão tentando aceitar essa expansão de seus papéis, de educadores e conselheiros a guarda-costas e protetores. Eles imaginam se suas salas de aula estão devidamente equipadas, se eles são capazes de reconhecer os indícios de que um estudante é perigoso, e, acima de tudo, se estão preparados para se interpor entre um aluno e um atirador.

Nos últimos dias, professores escreveram ao Congresso, apelando pela proibição à venda de armas de assalto, e a legisladores estaduais, solicitando permissão para portar armas nas escolas.

Eles participaram de protestos locais e revisaram planos de segurança com os alunos. E de noite eles conversam com suas famílias sobre uma realidade muito dolorosa —a de que os professores, que no passado pareciam bem distantes dos riscos de vida e morte enfrentados pelos policiais e bombeiros, agora parecem vulneráveis.

"Visualizei o que uma cena desse tipo seria, e isso me nauseou", disse Catherine  Collett, 28, professora de sexta série no norte da Virgínia, que nos últimos dias imaginou diversos cenários de violência.

"Devo esvaziar os armários, remover as prateleiras e esconder as crianças lá dentro? Ou minha melhor chance seria barricar as portas? Será que teria tempo de mover a mobília com a pressa necessária? Peço ajuda aos alunos?"

Muitos professores disseram que até mesmo contemplar essas preocupações parece muito distante dos desafios que imaginavam enfrentar, no passado. Como se a pressão crescente quanto aos resultados dos alunos nas provas, as trocas de e-mails com os pais, o trabalho como monitores nos ônibus escolares e refeitórios, e os novos requisitos de qualificação não fossem suficientes.

"Quando comecei a lecionar, pensei que ensinaria e só", disse José Luis  Vilson, professor de matemática no ensino médio em Nova York. Agora ele se vê também como membro dos serviços de emergência, e acrescentou que seria útil se recebesse treinamento sobre assuntos como resolução de conflitos e primeiros socorros.

Bo  Greene, 56, professora de cálculo e estatística em Bar Harbor, Maine, disse que o planejamento para situações perigosas se intensificou e se tornou mais específico nos 12 últimos meses, mesmo em um distrito escolar tranquilo como o dela. Tudo isso parece perturbador, depois de décadas de trabalho em educação.

"Jamais passei por nada disso", disse Greene. "Fazíamos só exercícios para o caso de incêndio".

FLÓRIDA


Em nenhum outro lugar a discussão entre os professores foi mais intensa do que no condado de Broward, onde a Marjory Stoneman Douglas High  School é uma entre mais de 300 escolas —aquela que Nikolas Cruz, no passado um dos 270 mil estudantes do distrito escolar, escolheu invadir e atacar.

Laurel Holland, que lecionou inglês para Cruz na 11ª série na Stoneman, disse que não se deveria esperar que os professores nas escolas públicas maiores verifiquem os antecedentes de todos os alunos, para determinar se eles sofrem de perturbações, e há quanto tempo.

No ano em que Cruz foi seu aluno, ela tinha mais de 150 estudantes."Não há tempo suficiente", disse a professora.

No caso de Cruz, ela disse, era bem claro que havia algo de errado. "Ele não brincava e nem colaborava bem com os colegas", disse a professora. "Eu tinha medo".

Holland por fim denunciou Cruz à direção da escola, e ele foi retirado de sua turma depois de um semestre.

Dentro do edifício do sindicato, sábado (17), professores de ciências deram as mãos a funcionários dos refeitórios e gritaram "força ao sindicato", antes de iniciarem os trabalhos.

Os professores discutiram o que eles deveriam fazer para deter o próximo ataque.

Falaram por horas sobre sua vontade de ter tacos de golfe e bastões de beisebol em suas salas de aula, e sobre seu desejo de usar coletes à prova de balas, e o desafio que remover os homicidas múltiplos que podem existir em meio a eles representa.

"Tenho curiosidade de saber de vocês, pessoal, quantos alunos como Nikolas vocês têm em suas escolas?", perguntou a assistente de ensino Elizabeth Sundin, 48. "Porque há um deles em nossa escola".

No canto do auditório, Andrea Suarez, 35, da Westpine Middle School, estava preocupada sobre seus alunos, que têm necessidades especiais e muitas vezes fazem barulho, o que torna quase impossível escondê-los.

Hoje, ela diz que seu plano para responder a um ataque por um atirador envolve colocar as crianças dentro do armário, distribuindo salgadinhos para distrai-las, e se posicionar diante da porta do armário com uma tesoura afiada na mão.

"Tenho enfrentado dificuldade para dormir", disse Suarez, cujos quatro filhos vêm pedindo que ela mude de profissão. "Em minha cabeça, ouço crianças chorando e tiros".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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