Chacina instiga movimento estudantil antiarmas nos EUA

Menos propensos a ativismo, secundaristas se organizam para pedir restrições a compra e porte

Washington

O feriado chuvoso não impediu Ellie Asher, 15, de sair de casa para protestar diante da Casa Branca. Sob o braço, ia um cartaz com uma frase escrita a canetinha: “Proteja crianças, e não armas”.

Ela foi uma dos milhares de alunos de ensino médio que acorreram a manifestações pelo controle de armas nos EUA, tema que voltou à tona após o ataque a tiros que deixou 17 mortos em uma escola na Flórida, no dia 14.

Por todo o país, em um movimento sem precedentes, alunos saíram de suas escolas e marcharam até as Assembleias estaduais, o Congresso ou a Casa Branca. 

Em Washington, cerca de mil estudantes foram ao Capitólio na quarta (21), aonde chegaram de metrô —e ensurdeceram as galerias da estação, com gritos de “Chega de armas” e “Já é suficiente”. 

Ruas foram fechadas para a passagem do grupo, que caminhava com o apoio das buzinas. E novos protestos, incluindo uma marcha que promete reunir milhares na capital americana, em março, já estão programados.

“Eu só lembro de ter visto algo assim durante o movimento por direitos civis e na Guerra do Vietnã [anos 60 e 70]”, disse o professor Rowell Huesmann, da Universidade de Michigan, que pesquisa a exposição de crianças e adolescentes à violência.

Mais de 40 ataques a tiros de grandes proporções ocorreram em escolas americanas desde 1994. Após cada um, o clamor para rever as leis para a venda e posse de armas —protegida pela Constituição— vem de pais, políticos e especialistas. A liderança dos adolescentes é inédita.

Estudantes pedem em Washington maior controle de armas
Estudantes pedem em Washington maior controle de armas - AP

Para muitos deles, a centelha da mobilização foi lançada no momento do ataque —quando foram compartilhadas nas redes sociais as primeiras imagens da chacina. “Rezem pela escola”, publicou um aluno, com a imagem de um corpo estendido na sala de aula e o som dos tiros. 

Mais tarde, mensagens de texto entre pais e filhos, que se escondiam em armários e pediam “se eu morrer, não esqueça que te amo”, comoveram milhares de estudantes.

“Aquilo foi muito forte, eu me coloquei no lugar deles”, contou à Folha Asher, aluna do primeiro ano do ensino médio numa escola de Washington. Desde criança ela é treinada para se proteger em caso de tiros em sala de aula. “É exatamente isso que nos instruem a fazer: mandar mensagem para nossos pais. Foi quando eu percebi que poderia ser qualquer um.” 

Parte dos adolescentes que protestavam nesta semana é veterana em atos políticos. Asher e as colegas já haviam estado na Marcha das Mulheres, em janeiro de 2017; outros, nos protestos contra o racismo, após o comício de organizações racistas em Charlottesville, em agosto.

“Eu me sinto mais brava do que triste, porque os massacres acontecem ano após ano e nada mudou”, diz a estudante Nora Marcus, 17. 

Ao contrário de ataques passados, que ocorreram em escolas ou comunidades pequenas, a chacina da última semana atingiu um colégio com 3.000 alunos, o Marjory Stoneman Douglas, numa área de renda elevada a 80 km de Miami. Para Huesmann, isso foi fundamental. “São adolescentes de classe média alta, criados com a mensagem de que poderiam mudar o mundo. É o que estão tentando fazer”, disse.

Os sobreviventes da Flórida foram os primeiros a recorrer às mídias para pedir o maior controle de armas. Pelo celular ou laptop, passam dia e noite convocando protestos, publicando fotos e vídeos e criando hashtags

“Esses adolescentes se comunicam por imagens. É o que têm feito a vida toda, e por isso essas imagens dizem tanto para eles”, afirmou nas redes Peter Hamby, chefe de notícias do Snapchat

O ativismo incomum levantou suspeita de que houvesse atores plantados por lobbies antiarmas. “Somos crianças, e não atores; crianças que temem por suas vidas e estão agindo para que isso não ocorra de novo”, respondeu a aluna Jaclyn Corin, 17.

As aulas não foram retomadas na Stoneman Douglas. Os protestos são quase diários.

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