Cidades abrem megaprocesso contra fabricantes de opioides nos EUA

Governos citam alto custo que epidemia traz; farmacêuticas atribuem crise ao uso indevido

São Paulo

Ambulâncias, médicos e remédios para dependentes com overdose. Legistas para os que morrem, vítimas das drogas ou da violência associada. Assistentes sociais para crianças cujos pais não conseguem mais cuidar delas. Clínicas para tratar quem tenta se livrar do vício.

A proliferação dos medicamentos opioides, declarada emergência de saúde pública pelo governo dos EUA, ameaça agora a saúde financeira de cidades e condados do país, responsáveis pela maior parte desses serviços.

Pressionados pelos gastos decorrentes da epidemia, milhares de governos municipais e condados (área administrativa na qual os Estados são divididos) vêm processando na esfera civil as fabricantes e distribuidoras de medicamentos opioides, buscando reparação por prejuízos causados pelos produtos.

Centenas desses casos abertos na Justiça Federal dos EUA foram consolidados em um grande processo federal na Corte Distrital do Norte de Ohio, em Cleveland. No fim de janeiro, o juiz Dan  Polster fez as primeiras audiências do megaprocesso, que envolve centenas de advogados. As próximas serão em março. 

Condados e cidades alegam que fabricantes como a Purdue Pharma e a Teva promoveram os remédios mentindo sobre a segurança e o risco de dependência.

A Purdue é uma empresa familiar e não publica dados financeiros; estima-se que tenha receita anual de US$ 3 bilhões vinda principalmente do remédio opioide OxyContin (oxicodona), segundo a revista "Forbes". A família Sackler, dona da empresa, tinha US$ 14 bilhões em 2015, tornando-a uma das 20 mais ricas do país. A Teva, de origem israelense, teve faturamento de US$ 21,9 bilhões em 2016 e produz medicamentos genéricos de vários tipos.

Os requerentes também afirmam que empresas como AmerisourceBergen, Cardinal Health e McKesson, que distribuem no atacado os medicamentos às farmácias, tinham a obrigação de informar a DEA (agência responsável pelo combate às drogas nos EUA) sobre compras suspeitas desses medicamentos.

Jornais dos EUA já revelaram casos como o de Williamson, Virgínia Ocidental, cidade de 2.900 habitantes que recebeu 20,8 milhões de pílulas de opioides em dez anos.

BRASIL NA MIRA

A advogada Conroy conta que representou cerca de 5.000 consumidores viciados em oxicodona em ação contra a Purdue no final dos 1990, tendo conseguido um acordo financeiro em 2007, quando a epidemia de opioides ainda não era aparente.

"Esse negócio era tão lucrativo que nenhuma dessas empresas parou", mesmo depois desse acordo e das acusações criminais federais.

Ela alerta: sob pressão da opinião pública e dos processos nos EUA, as empresas vão buscar mercado em outras partes do mundo, como a América Latina. "Vocês são o próximo alvo. Eles vão tentar o mesmo truque de marketing aí", diz, lembrando a estratégia da indústria de tabaco.

No Brasil, a Mundipharma, associada à Purdue, atua desde 2013 e vende medicação para dor, inclusive opioides.

As fabricantes de opioides, usados para o tratamento da dor, afirmam que eles são seguros se consumidos da forma indicada e sob supervisão médica. A Purdue diz que apoia ações para combater a epidemia de opioides nos EUA e lançou pílulas mais difíceis de pulverizar (o que dificulta o consumo por aspiração ou injeção). "As necessidades e a segurança dos pacientes têm guiado nossos passos", afirma a empresa em carta publicada em seu site.

Apesar disso, após uma investigação federal criminal, a empresa admitiu em 2007 ter mentido sobre o potencial viciante dos remédios.

Alguns especialistas creem que os requerentes no processo terão dificuldade de provar a responsabilidade das farmacêuticas, pois a maior parte das mortes resulta do uso indevido dos remédios.

Em decisões anteriores em ações de indivíduos contra as empresas, os juízes americanos entenderam que os dependentes são responsáveis pelo dano ao usarem remédios comprados ilegalmente ou diferente da prescrição.

Polster já disse em entrevistas que seu objetivo é um acordo financeiro rápido.

Para as farmacêuticas, isso evitaria se defender em milhares de casos separados; para os governos municipais e os condados, o dinheiro para mitigar os gastos com a crise chegaria mais rápido.

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