Cinco Estrelas cresce como partido na Itália, apesar de escândalos

Sigla enfrenta acusações de plágio em sua plataforma e de violência contra imigrantes por seus candidatos

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Jason Horowitz
New York Times

Em uma tarde recente, Alessia D’Alessandro encontrou alguns amigos no calçadão de tábuas nesta cidade da costa sul italiana onde ela costumava passar os verões na adolescência, tomando banhos de mar e morando com sua mãe no palácio histórico do príncipe local. 

"Eles disseram: 'Oh, meu Deus, você voltou!'", contou a jovem de 27 anos, que deixou a Itália depois do colégio para buscar oportunidades de estudos e trabalho na Alemanha, país de sua mãe.

"O que você está fazendo aqui?" Muitos italianos estão perguntando a mesma coisa. Antes das eleições  em 4 de março, o principal partido italiano, o Movimento 5 Estrelas, contrário à ordem estabelecida, tentou renegar sua imagem de um movimento descrente da União Europeia, povoado por ativistas desqualificados e baseados na web, recrutando candidatos entre a classe profissional do país.

Neste mês, eles repatriaram D'Alessandro, que se autodescreve como "uma filha da Europa", tirando-a do emprego em um grupo de pensadores em Berlim e exibindo-a com destaque como uma reação à política de apadrinhamento que vigora no sul da Itália.

Mas revelações de que a liderança do partido inflou o currículo de D'Alessandro --aparentemente sem o conhecimento dela-- provocaram críticas de que a agremiação é fundamentalmente desonesta, despreparada para governar e, o mais grave, igual às demais.

Nas últimas semanas, o Movimento 5 Estrelas experimentou dificuldades enquanto brotava de um movimento de protesto para ser a principal força política da Itália.

O partido enfrentou evidências de plágio em sua plataforma política, da existência de maçons entre seus membros, acusações de agressão doméstica e violência contra imigrantes por seus candidatos.

Um escândalo de reembolso prejudicou perigosamente seu apelo purista. D'Alessandro, jovem e altamente fotogênica, parecia perfeita para oferecer um tom pró-Europa e atrair jovens italianos frustrados.

Sua candidatura ao Parlamento marcou um forte contraste com um rival, antigo político do Partido Democrático, no governo, conhecido por receber instruções do chefe do partido para conseguir votos com refeições de "peixe frito".

O candidato a primeiro-ministro pelo Movimento 5 Estrelas, Luigi Di Maio, 31, apresentou D'Alessandro como uma estrela do seu novo e "supercompetente" time dos sonhos.Di Maio disse que ela era economista e sugeriu que trabalhou na Alemanha com o partido União Democrata Cristã, da primeira-ministra Angela Merkel. ("Arrancada de Merkel", foi o título do principal jornal italiano, "Corriere della Sera".)"Não foi precisa", disse D'Alessandro sobre a caracterização feita por Di Maio de suas qualificações.

Ela esclareceu que não é economista, mas tem grande interesse pela área, e disse: "Em minha vida privada eu lia 'The Economist'".Ela tentou defender Di Maio acrescentando: "Afinal, a essência está certa, porque espero um dia me tornar uma economista".Ela disse que Di Maio também causou certa confusão quando "me pintou como alguém que trabalhava para a instituição relacionada à CDU, ou seja, Merkel".

A organização de defesa das empresas para a qual ela trabalhava, chamada Wirtschaftsrat, posteriormente esclareceu que ela foi uma assistente que "nunca atuou em áreas políticas relevantes e não tem contatos políticos".

D'Alessandro disse que não acreditou quando viu, em Berlim, que o partido exagerou suas qualificações.

"Eu pensei: 'O que está acontecendo na Itália? O que eles estão fazendo?'"Eles estavam tentando vencer, em suma. O sul da Itália é crítico em uma eleição apertada que, segundo analistas, poderá se mostrar desestabilizadora para o país e a Europa. O Movimento 5 Estrelas e a coalizão de centro-direita liderada por um Silvio Berlusconi reanimado se alimentaram do desconforto na região. "

As grandes revoluções sempre começam no sul", disse Angelo Tofalo, um importante político do 5 Estrelas na Campania.

A maioria dos votos na Itália é distribuída em um sistema proporcional que beneficia a forte identificação partidária de que goza o Movimento 5 Estrelas, especialmente no sul. Mas uma nova lei eleitoral também dá assentos no Parlamento aos vencedores em distritos por maioria absoluta.

Nessas disputas, um político local conhecido, da velha escola, leva vantagem. "Os candidatos do 5 Estrelas saíram da internet, e não do território", disse Roberto D'Alimonte, um professor de política na Universidade Luiss em Roma. A chave da eleição, disse ele, é se "os eleitores do sul serão atraídos pela marca ou pelos candidatos".

Agropoli, uma cidade litorânea ao sul de Nápoles, na costa oeste italiana, é a capital do distrito que D'Alessandro quer representar na câmara baixa do Parlamento. Para alguns que vivem lá, o nome de seu partido basta.Désiré Tortora, 22, disse que nunca ouviu falar em D'Alessandro, mas votará no Movimento 5 Estrelas de qualquer jeito. "Eles compreendem os jovens, e os outros são ladrões", afirmou.

"Eu voto no partido."Mas o Partido Democrático, no governo, que precisa desesperadamente evitar a derrota no sul, está apostando nas conexões construídas durante décadas por seu candidato, Franco Alfieri, 52, um político muito mais típico."Ele conhece todo mundo", disse Amadeo Maffongelli, 61, dono de uma loja. "E o primo dele é primo da minha mulher. Vou votar nele apesar de não gostar de seu partido."

As conexões de Alfieri são legendárias. Em 2016, surgiu uma gravação de áudio em que o poderoso governador da região, Vincenzo De Luca, instruía seu braço-direito, Alfieri, a conseguir votos com refeições de "peixe frito" e elogiando-o como imbuído de poderes sobrenaturais quando se tratava de trocar serviços por apoio eleitoral. A gravação foi embaraçosa para o Partido Democrático, assim como foi a decisão nesta semana do filho de De Luca de renunciar a seu cargo público entre acusações de corrupção.

Mas quando chegou a hora de escolher os candidatos nos distritos tudo-ou-nada, uma petição de administradores locais deixou claro que Alfieri, que foi prefeito de Agropoli durante dez anos, era o candidato mais forte.Quanto a D'Alessandro, ele a reduziu em uma entrevista a uma "menina bonita" que chegou ao sul com um currículo inflado.D'Alessandro fala cinco línguas, estudou balé a sério, frequentou universidades privadas na Alemanha e tem mestrado em políticas públicas.

No trajeto, construiu seu currículo gerenciando eventos de moda para uma empresa de publicidade, trabalhando na Abercrombie and Fitch e às vezes como modelo. "Você pode ganhar mais dinheiro em uma hora do que em oito", disse ela. Sobre imigração, talvez o tema mais importante na eleição, ela disse: "Não posso expressar uma preferência clara", e que seu partido apresentará uma solução "quando estivermos no governo". 

Se ela não ganhar, explicou que "será muito difícil ficar aqui", já que não há muito que a atraía no lugar, para começar. Mas disse que gostaria de continuar na política e está grata ao Movimento 5 Estrelas por lhe dar tanto, tão rápido."Isso nunca teria sido possível em outro partido", afirmou.

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