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Zuma e a crônica de uma demissão anunciada

Presidente sul-africano antecipa ação de partido e sai pela porta pequena

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O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, após renunciar em Petrória - Siphiwe Sibeko/Reuters

Ao declinar a convocação oficial do seu próprio partido, o Congresso Nacional Africano (CNA), para se demitir do cargo de presidente, Jacob Zuma optou por sair pela porta pequena. Sem outro recurso, o CNA ameaçou submeter um voto de desconfiança no Parlamento para destituir o presidente entrincheirado. Na calada da noite, ele preferiu antecipar o processo e anunciar a sua própria demissão.

Zuma chegou ao poder em 2009 com a promessa de reaproximar o governo das bases populares, desmobilizadas pela gestão competente, mas excessivamente tecnocrática, de Thabo  Mbeki, o sucessor designado pelo fundador da África do Sul pós-apartheid, Nelson Mandela, em 1999.

Mas o Zuma exuberante e popular também tinha outra faceta. A de exímio homem de aparelho formado nos centros clandestinos do CNA, onde chegou a chefiar os serviços de espionagem nos tempos da guerrilha. Zuma desenvolveu um estilo de governar à sua imagem, baseado em manobras e sabotagens, e rapidamente se apropriou do estado e do partido.

A partir do seu segundo mandato, iniciado em 2014, as esferas publicas e privadas do poder se tornaram praticamente indissociáveis. Em troca de todo tipo de agrados, Zuma abriu as portas do estado a uma família de empresários. Num caso clássico de captura do Estado, os Gupta passaram a exercer influência ilimitada dentro do governo, indicando ministros, obtendo contratos sem licitação e alterando legislação essencial para os seus negócios.

Essa súbita e profunda involução de uma democracia tida como exemplar contribuiu para o apagamento da África do Sul a nível continental. O país perdeu o lugar de primeira potencia econômica para Nigéria, viu Ruanda e a Etiópia se tornarem nos novos meninos bonitos do mercado, e teve que aprender a conviver com as ambições regionais do petro-Estado de Angola. Em menos de uma década, a África do Sul passou de protagonista do renascimento africano a apenas mais um ator promissor e problemático.

Uma vez concluída a patética despedida de Zuma, que, quase como um símbolo, tem como última exigência que o estado continue a pagar os seus advogados depois de deixar o poder, o seu sucessor já designado, Cyril  Ramaphosa, terá pela frente a tarefa colossal de re-dignificar o governo até as próximas eleições gerais de 2019, sob pena de ver o CNA perder a sua maioria histórica no Parlamento.

Eleito líder do CNA em Dezembro de 2017, Ramaphosa personifica a evolução do CNA desde Mandela. Fundador do braço sindical do partido, a poderosa Cosatu, e principal negociador do CNA durante a transição do apartheid, Ramaphosa também é um empresário milionário, que atuou, entre muitos outros cargos, como dirigente da empresa de mineração Lonmin, diretamente implicada no mais sinistro episódio da era pós-apartheid: o massacre de 17 grevistas na mina de Marikana.

Pela sua capacidade de navegar no partido e no mercado, Ramaphosa é visto como a liderança mais apta a reabilitar o CNA e, de quebra, o governo nacional. Assim, à semelhança de outros países da região, como Angola, Moçambique e Zimbabwe, a longa luta pela democratização na África do Sul continua passando pela difícil transição dos movimentos de libertação da era colonial a partidos democráticos na era pós-colonial.

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