Desejo de Trump por desfile militar mostra apego por poder e ego

Presidente pediu que Pentágono prepare parada como a do Dia da Bastilha

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ISHAAN THAROOR
Washington | Washington Post

Não está claro se o presidente Donald  Trump vai conseguir o desfile militar que ele tanto deseja. Meus colegas noticiaram na terça-feira (6) que a Casa Branca está pressionando o Pentágono a montar uma grande parada militar para descer a Pennsylvania  Avenue, algo semelhante à parada militar do Dia da Bastilha, na França à qual, coincidentemente, Trump assistiu no ano passado e que ele admirou.

Na mesma semana em que ouvimos o presidente chamar seus adversários de "traidores à pátria" por não terem batido palmas durante seu Discurso sobre o Estado da União, contemplamos seu entusiasmo pelo tipo de exibição marcial que hoje em dia é mais frequentemente associado a Estados de partido único e autocratas irredutíveis.

Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da França, Emmanuel Macron, assistem ao desfile militar do Dia da Bastilha, em Paris, no ano passado
Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da França, Emmanuel Macron, assistem ao desfile militar do Dia da Bastilha, em Paris, no ano passado - Kevin Lamarque - 14.jul.2017/Reuters

Trump, que fala de "meus generais" em tom de louvor e defende uma agenda decididamente militarista, acha que agora chegou sua vez.

"Todos neste país temos consciência do afeto e respeito do presidente pelas Forças Armadas", disse na quarta-feira (7) o secretário da Defesa, Jim Mattis. "Estamos preparando algumas opções. Vamos enviá-las à Casa Branca para aguardar sua decisão."

A Casa Branca descreveu a parada proposta como ocasião de alegria para festejar as Forças Armadas do país. Mas os custos potenciais e as dificuldades logísticas de tal empreendimento já estão provocando arrepios (o próprio Jim Mattis avisou um comitê do Congresso na terça-feira que as Forças Armadas estão com pouca verba para cobrir necessidades, como treinamento e manutenção).

Também está causando espécie o caráter gratuito da parada, num momento em que os EUA possuem a maior pegada militar do planeta, ainda estão envolvidos em vários conflitos no exterior e já investem em celebrações intermináveis das tropas em virtualmente todos os feriados e eventos esportivos.

Na quarta-feira o senador republicano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, disse a jornalistas que uma parada que visa especificamente exibir o poderio militar americano é "cafona e sinal de fraqueza".

O senador republicano John Neely Kennedy, do Louisiana, acrescentou: "Os EUA são o país mais poderoso da história humana. Todo o mundo sabe disso. Não há necessidade de exibicionismo".

Outros críticos acham que uma grande exibição de força militar teria o objetivo principal de agradar ao ego do comandante em chefe. "A imagem é o código moral de Trump", escreveu o comentarista político Jonathan Chait. "Ele recruta as forças armadas como acessório para banhar-se numa aura de grandiosidade presidencial."

Em artigo que destacou a diferença entre o desfile militar anual da França e as ambições de Trump, meu colega Rick Noack argumentou que a parada que Trump visualiza será em última análise uma manifestação de seu tipo próprio de nacionalismo exibicionista, mas que as cerimônias francesas hoje em dia festejam algo um pouco mais inclusivo.

"O desfile militar francês no Dia da Bastilha, que continuou a acontecer ao longo de duas guerras mundiais e da ocupação nazista, também tem sido usado para enfatizar uma mensagem muito diferente que pode ser resumida como 'só somos fortes quando estamos juntos'", escreveu Noack.

"Algo que pode ter passado despercebido por Trump quando ele assistiu à parada em Paris no ano passado é que seus organizadores frequentemente convidam tropas de outros países --do Marrocos e Índia aos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido-- a marchar ao lado dos soldados franceses ou até para encabeçar o desfile. Em vez da bandeira francesa, os soldados franceses às vezes agitam a bandeira da União Europeia, apesar de o bloco político não ter um Exército próprio."

É claro que existem poucos eventos públicos tão consagrados pelo tempo quando o desfile militar. A tradição dos chamados "triunfos" militares já estava presente em reinos e impérios da antiguidade, estando gravada em frisos em palácios mesopotâmicos e registrada por cronistas romanos. É o ato primordial do Estado afirmando seu poder e sua legitimidade, um espetáculo que visa suscitar orgulho nos corações dos seguidores do líder e medo nos de seus inimigos.

A tradição das paradas militares modernas provavelmente descende das marchas militares dos prussianos no século 19, cujos métodos foram copiados em todo o mundo. Em 1865, no final da Guerra Civil Americana, os EUA vitoriosos promoveram uma Grande Revisão dos Exércitos, com a participação de 145 mil soldados. Houve desfiles militares nacionais após vitórias nas Guerras Mundiais e até mesmo em 1991, quando as tropas americanas voltaram para casa após a Operação Tempestade no Deserto. Mas, considerando o engajamento dos EUA por tempo indeterminado em guerras no Afeganistão e no Oriente Médio, não há no momento grande apoio da opinião pública à ideia de um grande desfile militar.

Afinal, esses desfiles são mais próprios de países como a Coreia do Norte, Rússia e China, cujos líderes ainda sentem necessidade dessas demonstrações às vezes surreais de poderio militar para reforçar seu próprio domínio.

Em muitas outras partes do mundo, desfiles militares são vistos como anacronismos que remetem a um passado que tem pouca relevância para o futuro. Nos EUA, a superpotência militar mundial inconteste, o respeito pelas forças armadas e seus membros é tão generalizado que é fácil passar despercebido. Não há necessidade de um desfile com grande pompa para homenagear as tropas.

Então qual é a finalidade do desfile proposto? O grande escritor britânico George Orwell opinou: "Uma parada militar é realmente uma espécie de dança ritual, um pouco como um balé, que expressa uma determinada filosofia de vida".

Orwell estava escrevendo em 1941, num momento em que os britânicos encaravam a possibilidade de derrota e de serem conquistados pelos nazistas.

Ele criticou a marcha fascista "passo de ganso", dizendo que era "uma das imagens mais horríveis do mundo", e enxergou nela "uma afirmação do poder irrestrito; contida nela, consciente e intencionalmente, está a visão de uma bota pisoteando um rosto. Sua feiura faz parte de sua essência, pois o que ela está dizendo é 'Sim, sou feia, e não ouse rir de mim', como o agressor que faz uma careta para sua vítima".

Isso levou Orwell a concluir que, além de certo ponto, desfiles militares só são possíveis em países onde a população comum não ousa rir do Exército.

Para Trump, o Exército não é motivo de risada, pelo contrário, e ele já travou várias batalhas políticas com críticos internos que ele considera que desrespeitam as Forças Armadas.

Mas, embora a maioria dos americanos não ouse rir de seu Exército, a reação ao desfile militar proposto por Trump mostra que muitos estão rindo do presidente.

Tradução CLARA ALLAIN

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