Irã enfrenta batalha para lucrar com atuação na guerra da Síria

República Islâmica está na desvantagem com Rússia e China na reconstrução

Membro dos capacetes brancos observa prédio destruído em Medeira, na Síria; Irã vê reconstrução como oportunidade de recuperar gastos de ajuda a Assad
Membro dos capacetes brancos observa prédio destruído em Medeira, na Síria; Irã vê reconstrução como oportunidade de recuperar gastos de ajuda a Assad - Abdulmonam Eassa - 12.fev.2018/AFP
Erika Solomon Najmeh Bozorgmehr
Teerã e Beirute | Financial Times

O Irã despejou bilhões de dólares e centenas de vidas para apoiar o governo do presidente Bashar  al- Assad. Mas poderá ter dificuldades para recuperar seu investimento na Síria.

No papel, o governo iraniano e entidades ligadas à sua Guarda Revolucionária receberam garantias de grandes prêmios econômicos na Síria —um memorando de entendimento para dirigir uma operadora de telefone celular e um papel em uma de suas mais lucrativas minas de fosfato. Ele recebeu terras agrícolas e pretende abrir filiais de universidades.

Mas empresários e diplomatas sírios dizem que a implementação desses acordos foi retardada pelas autoridades do regime, mais interessadas em atrair empresas russas e chinesas e temerosas de que Teerã ambicione ampliar sua influência.

"Basta olhar para as telecoms —elas ainda têm só um memorando de entendimento. Faz mais de um ano e eles não conseguem assinar um acordo", disse um empresário sírio. "Os iranianos não conseguiram nada em termos de lucros na Síria."

Para amigos e inimigos igualmente, a República Islâmica é muitas vezes vista como um dos atores mais matreiros no Oriente Médio, espalhando sua influência com o desenvolvimento de redes de milícias da mesma mentalidade ideológica.

Para o Irã, a Síria é uma parte crítica de seu "eixo de resistência", que se estende pelo Iraque e a Síria e a seu representante regional mais poderoso, o Hizbullah, movimento xiita libanês, vizinho de Israel.

Sua presença crescente às portas de Israel é uma séria preocupação para Jerusalém e seus aliados ocidentais, especialmente Washington: as tensões cresceram drasticamente no último fim de semana, quando um jato israelense foi derrubado. Israel reagiu com sua mais extensa onda de ataques aéreos à Síria em muitos anos.

O Irã foi a primeira potência regional a ajudar Assad, e a única que aplicou um poder humano significativo atrás dele —mobilizando primeiro o Hizbullah, enviando tropas, apoiando a criação de paramilitares locais e trazendo milícias xiitas formadas por afegãos e iraquianos.

Apesar disso tudo, porém, alguns iranianos temem que os esforços para se beneficiar de recursos sírios e futuros contratos de reconstrução poderão ser prejudicados pelo maior apoiador internacional de Damasco, a Rússia. Sua intervenção militar em 2015 virou a guerra decisivamente a favor de Assad.

RECONSTRUÇÃO

Autoridades iranianas, russas e europeias advertem que é cedo demais para falar nas vantagens potenciais de uma hipotética reconstrução, cujo custo a ONU avaliou em US$ 300 bilhões. A guerra entre Assad e os rebeldes que tentam derrubá-lo está em curso.

Mais importante, não está claro quem bancaria a reconstrução enquanto países ocidentais e do Golfo —que têm o dinheiro para tanto, mas apoiaram a oposição— ficam nas laterais.

Algumas autoridades russas manifestam a mesma preocupação sobre limitar os investimentos iranianos quanto sobre bloquear o potencial reenvolvimento ocidental.

"Assad muitas vezes age muito no interesse de Israel", disse uma autoridade. "Quando se trata de potenciais acordos comerciais e de reconstrução, é vital fazermos isso de um modo que gere benefícios para ele, ou para pessoas próximas dele... mas que isso fique entre ele e nós, sem o Irã."

As tendências iniciais, segundo diplomatas em Damasco, já mostram dores de cabeça para o Irã. Uma autoridade que observou acordos comerciais recentes e feiras de negócios em Damasco descreveu as companhias iranianas como "recolhendo os restos" em comparação com firmas visitantes da China, uma potência econômica que a Síria quer atrair.

As incursões empresariais são importantes para o Irã primeiro, para recuperar os cerca de US$ 6 bilhões que as autoridades iranianas dizem que a Síria lhes deve, mas também porque são importantes para a influência de potência branda de que o Irã precisa para desenvolver uma influência e laços econômicos mais duradouros.

No vizinho Iraque, Teerã já está colhendo os dividendos dessa estratégia. Não apenas Teerã é frequentemente vista como mais dominante lá que Washington, como seu comércio disparou: em 2008, os negócios com o Iraque chegaram a US$ 2,3 bilhões; em 2015 haviam alcançado US$ 6,2 bilhões.

"A Síria vai levar muito tempo para caminhar sozinha, ao contrário do Iraque, que tem muitos recursos", disse um empresário iraniano. "Para o Irã, a prioridade é o Iraque, onde temos vantagens competitivas."

PARCEIRO COMERCIAL

Ahmed  Majidyar, um estudioso no Instituto do Oriente Médio, em Washington, diz que o objetivo do Irã é tornar-se o maior parceiro comercial da Síria.

Ele indica como o Irã conseguiu montar filiais de sua Universidade Islâmica Azad no Iraque e em toda a região e agora pretende abrir filiais em várias cidades sírias. A universidade já iniciou um pequeno programa de intercâmbio para estudantes da Universidade de Aleppo.

Mas o avanço em iniciativas culturais pode ter pequeno significado se as relações econômicas ficarem para trás. O Irã simplesmente não tem dinheiro para lançar grandes empreendimentos próprios. "O que o Irã tem na Síria hoje não pode ser explorado sem investimento", disse um empresário iraniano.

Mas empresas privadas iranianas relutam em se envolver, segundo uma pessoa inteirada dos esforços empresariais iranianos na Síria, porque Teerã permitiu que a Guarda Revolucionária e as empresas associadas a ela conduzissem o esforço.

"Suas empresas não são flexíveis, são manchadas por corrupção e falta de transparência. Elas não têm de prestar contas e portanto não contam com uma administração eficiente."

A Guarda Revolucionária talvez tenha de atrair parceiros de negócios da China ou de outros países árabes para conseguir o dinheiro de que precisa, disse a pessoa.

Alguns problemas estão fora do alcance do Irã: a economia paralela da Síria floresceu em meio ao caos, criando redes de contrabando e chefes guerreiros que estarão prontos para proteger seus lucros de forasteiros.

Empresários e diplomatas em Damasco dizem que autoridades do regime e burocratas de baixo escalão tentaram bloquear os esforços iranianos exigindo mais papelada e novas discussões.

"Eles acham que os iranianos querem interferir em tudo, por isso vale a pena os sírios tentarem fazê-los desistir", disse um diplomata.

Apesar de seu poder regional, Teerã pouco pode fazer para pressionar, afirmou um empresário sírio, dada a importância de seu país para a estratégia regional do Irã: "Com que os iranianos podem nos ameaçar? Com sua retirada? Os iranianos estão emperrados conosco, e o regime sabe disso."

Colaboraram KATHRIN HILLE e ASSER KHATTAB Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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