Descrição de chapéu The New York Times

Moradores se abrigam em porões para escapar de bombas na Síria

Forças leais a Assad atacam região de Ghouta Oriental, dominada por rebeldes

Megan Specia Hwaida Saad
The New York Times

Todo o leste de Ghouta, na Síria, está embaixo da terra. 

Foi assim que um socorrista descreveu a situação nesta semana, enquanto milhares de pessoas fugiam para porões e abrigos improvisados nesse subúrbio de Damasco, que está em poder dos rebeldes.

Ghouta Oriental sofre um brutal ataque aéreo do governo sírio, que deixou mais de 300 mortos nos últimos dias, incluindo muitas crianças.

Enquanto a guerra nos arredores da capital atingia um novo nível de intensidade, as famílias se amontoaram no subsolo. Durante horas a fim, esperam pelo fim do bombardeio, que não dá sinais de amainar.

Esse é o mais recente ataque das forças do presidente Bashar al-Assad contra áreas controladas pelos rebeldes, em uma guerra civil de sete anos que fraturou o país. 

Em outras cidades e aldeias antes em poder de grupos rebeldes, como Aleppo e Daraya, o governo usou uma tática semelhante de bombardeio à infraestrutura e a áreas residenciais para forçar a rendição de combatentes e a relocação de civis. O governo sírio diz que restam poucos civis em Ghouta Oriental, e que os que estão lá são mantidos como escudos humanos —uma afirmação desmentida pelos grupos internacionais de direitos humanos e ativistas no local.

Há grupos rebeldes armados ativos na área, mas a Save the Children e a agência de refugiados da ONU calculam que cerca de 350 mil civis foram apanhados no cerco.

Gravações de ativistas locais mostram mulheres e crianças reunidas em porões, brincando e cozinhando para passar o tempo. Algumas compartilham gravações de áudio dos aviões e helicópteros sobrevoando, e emitem apelos desesperados nas redes sociais e no WhatsApp.

Em certas partes do extenso subúrbio, os espaços subterrâneos são conectados por túneis. Um ativista da mídia local, Firas Abdullah, filmou a cena enquanto percorria as salas unidas na quarta-feira. 

"As pessoas estão escondidas aqui do bombardeio maciço", diz ele no vídeo, enquanto abaixa a cabeça para andar no espaço apertado.

Abdullah, que posta informações sobre a área há vários anos, disse que algumas mulheres e crianças estão abrigadas há mais de 72 horas e precisam de comida e água. Ele descreveu as condições como "graves".

Grupos humanitários locais transmitiram algumas informações para parceiros internacionais: o lugar mais seguro é no subsolo.

Sonia Khush, a diretora da Save the Children na Síria, está sediada em Amã, na Jordânia, mas trabalha com grupos locais no leste de Ghouta há anos. Ela disse que milhares de famílias passaram a maior parte da semana em porões para evitar as bombas.

"A verdade é que as pessoas estão nesses porões e abrigos, mas isso não lhes dá o conforto mental de que estarão a salvo dos bombardeios", disse Khush. "Todo mundo está simplesmente aterrorizado."

Enquanto partes da área foram submetidas a bombardeios desde 2012, o recente surto de ataques é o pior em vários anos.

Acima do solo, cenas infernais se desenrolam. Gravações postadas na segunda-feira pela Defesa Civil da Síria, um grupo de profissionais médicos de emergência, mostraram pessoas correndo em busca de abrigo após uma série de ataques.

Muitos consideram os porões o único lugar seguro em um ambiente hostil. Eles quase não tiveram a possibilidade de fugir, pois a área está bloqueada há meses.

Para Shadi Jad, um jovem pai que está num porão desde o início da semana, o abrigo é uma bênção, com ressalvas.

"Honestamente, sinto que o abrigo é um túmulo, mas é o único lugar disponível para proteção", disse ele  na terça-feira (20).

Mas Jad, que está escondido com sua mulher e outras oito famílias, disse que estar num lugar fechado também uniu sua comunidade. 

"Nós contamos histórias, tentamos afastar o medo contando algumas piadas", disse ele. "O abrigo torna as relações mais profundas."

Outro grupo de ativistas da mídia local compartilhou fotos de uma família amontoada num subsolo na quarta-feira (21), assando pão em um forno.

Grupos de ajuda advertem que as condições nos abrigos poderão se deteriorar rapidamente. Eles não têm ventilação, eletricidade, água corrente ou banheiros. O Escritório Médico Unificado em Ghouta —um grupo de ajuda local que trabalha na área— disse que essas condições poderão levar a problemas de saúde como "doenças respiratórias, sarna e piolhos".

Mesmo antes do atual bombardeio, um relatório da ONU indicou que em alguns bairros os abrigos já se tornaram uma preocupação de saúde pública.

Mas as pessoas não têm muitas opções.

Desde 4 de fevereiro, quando começou a ofensiva do governo, 346 civis foram mortos e 878 feridos, a maioria em ataques aéreos contra áreas residenciais, segundo disse na quarta-feira o Alto Comissariado por Direitos Humanos da ONU. Noventa e duas mortes ocorreram em um período de 13 horas nesta semana.

A principal autoridade de direitos humanos da ONU, Zeid Ra’ad al-Hussein, pediu o fim da violência em uma declaração na quarta.

"São centenas de milhares de civis que ficaram presos há mais de cinco anos sob sítio, sofrendo a privação das necessidades mais básicas, e agora enfrentam um bombardeio incessante", disse Hussein. "Quanta crueldade será necessária para que a comunidade internacional possa falar a uma só voz, dizendo que basta de crianças mortas, basta de famílias arrasadas, basta de violência, e tomar uma medida decidida e concertada para pôr fim a esta monstruosa campanha de aniquilação?"

Hoda Khayti, 29, que viveu em Ghouta Oriental a vida toda, disse que sua família, como a maioria de seus vizinhos, passou a maior parte da semana em um porão. Doze outras famílias uniram-se a eles em um espaço superlotado. Eles ouviam os aviões passando constantemente. 

"Os momentos mais assustadores são quando os foguetes caem, então vem o silêncio", disse Khayti na quarta-feira em uma videoconferência pelo Facebook. "Parece que nossas almas saem do corpo quando o avião se aproxima, e sentimos alívio quando ele vai embora."

Eles temem as bombas lá fora, mas, assim como Jad, Khayti disse que o abrigo se tornou um lugar de encontro da comunidade. Eles compartilham a comida, os cobertores e histórias enquanto esperam que o barulho dos aviões lá em cima se dissipe.

"Mamãe volta do abrigo com muitas histórias, como a da mulher que se casou e teve um bebê ", disse ela. 
Mas Khayti às vezes hesita em descer ao porão, porque tem medo de ficar presa. Muitas vezes ela fica acima do solo na casa da família, enquanto seus pais e a irmã vão para baixo.

"Não quero morrer no porão", disse Khayti. "Vi uma família inteira morrer no porão. Foi na semana passada." 

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