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Sobrevivi a um ataque a tiros e nunca mais fui a mesma

Infelizmente, nos EUA neste momento não há garantia de que não vai mais acontecer

Aluno acende vela em uma das 17 cruzes colocadas pelos colegas das vítimas do ataque à escola Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida
Aluno acende vela em uma das 17 cruzes colocadas pelos colegas das vítimas do ataque à escola Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida - Gerald Herbert/Associated Press
LISA HAMP
Washington Post

Quando você sobrevive a uma chacina, sua vida muda rapidamente. Para mim, há quase 11 anos na Virginia Tech, ela mudou no instante em que ouvi os tiros.

E quando escutei a notícia na última quarta-feira (14) sobre o tiroteio em uma escola de Parkland, na Flórida, os sentimentos que eu tive durante e depois da Virginia  Tech voltaram imediatamente.

Houve centenas e centenas de outros tiroteios desde aquele, e 17 em escolas só neste ano, como foi documentado pelo grupo beneficente Everytown for Gun Safety, que atua pela segurança nas escolas.

Os sobreviventes que não sofreram ferimentos físicos nesses tiroteios são muitas vezes considerados pessoas de sorte. E nós tivemos muita sorte. Mas isso não quer dizer que a vida após uma chacina seja fácil ou normal. Não é. Temos dificuldades, e uma jornada de recuperação que não pode ser vista, apenas sentida.

Em nosso campus em Blacksburg, no Estado da Virgínia, minhas colegas e eu construímos uma barricada para impedir que o atirador entrasse. As balas atravessaram nossa porta e o atirador tentou entrar, mas nós conseguimos impedi-lo até que a polícia chegou.

Quando o atirador disparou, em segundos meu corpo entrou no modo lutar-ou-fugir. Os tiros pararam, mas meu cérebro continuou se perguntando: quando é seguro? A polícia já chegou? O atirador está preso? Ele está morto?

É isso que aguarda agora os sobreviventes do colégio Marjory Stoneman Douglas, na Flórida.

Antes do tiroteio, eu não pensava muito em minha segurança no mercadinho, na igreja ou no cinema. Quando ocorria um ataque a tiros, eu ouvia a respeito no noticiário e pensava em minha segurança pessoal durante um dia ou dois, mas depois isso saía da minha cabeça. (Sim, 11 anos atrás os ataques a tiros eram menos mortíferos.)

Mas depois da chacina na Virginia  Tech eu pensava sobre segurança em todo lugar aonde ia. Analisava muito bem onde devia me sentar no cinema ou na igreja, de acordo com meu plano de fuga. Meus olhos percorriam todo mundo ao redor, procurando um comportamento estranho. Meus ouvidos podiam escutar um alfinete cair.

Eu continuei no estado de lutar-ou-fugir durante meses. E sempre queria saber: quando será seguro novamente? Ou, na verdade, quando eu me sentirei segura de novo? Em alguns segundos, a sensação de segurança que eu sempre tive foi arrancada, substituída por medo, tristeza, solidão e insegurança. Descobrir como lidar com esses sentimentos enquanto recuperava a sensação de segurança, sem empurrar tudo e todos para longe, é desafiador, para dizer o mínimo.

Eu tinha um medo tremendo de que aquilo acontecesse de novo. As pessoas me diziam que não, mas eu pensava: elas não sabem. Porque, infelizmente, em nosso país neste momento não há garantia de que não vai mais acontecer. Com o tempo eu recuperei a sensação de segurança pública. Levou tempo e aconselhamento psicológico.

Com frequência eu ouço dizerem: "Uma chacina não vai acontecer comigo. Não na minha escola, nem na minha comunidade". Era o que eu pensava antes que acontecesse na Virginia  Tech. Mas a verdade é que é sempre a escola de alguém e a comunidade de alguém. E os seres amados de alguém.

Quando a mídia cobre um massacre a tiros, a reportagem tende a enfocar os números de pessoas que o atirador matou ou feriu. Show em Las  Vegas: 58 mortos e mais de 500 feridos. Igreja em Sutherland  Springs, no Texas: 26 mortos e 20 feridos. Escola Fundamental de Rancho Tehama, na Califórnia: 5 mortos e 18 feridos. Escola de Ensino Médio do Condado de Marshall, no Kentucky: 2 mortos e 18 feridos. Escola de Ensino Médio Marjory  Stoneman Douglas: 17 mortos e 15 feridos. Até agora.

Mas esses tiroteios também afetam mais que apenas as famílias e amigos que perderam pessoas queridas e as vítimas que receberam tiros. Eu não levei tiro, mas fiquei afetada durante anos. Eu estava em negação e precisei de ajuda porque não tinha ferimentos físicos ou cicatrizes. Os sobreviventes fisicamente ilesos nem sempre recebem os recursos de que precisam. Parece muito egoísta pedir ajuda quando outros foram mortos ou feridos, mas a verdade é que nós também precisamos deles.

Até agora, também há milhares de sobreviventes fisicamente ilesos, assim como policiais e pessoal médico que atenderam a esses acontecimentos. Essas pessoas podem pensar durante muito tempo que não foram afetadas porque a mídia não as menciona. Elas podem ter escapado dos ferimentos das armas, mas as feridas mentais são profundas. Elas caminham feridas durante meses, às vezes anos, antes de perceber o impacto que o tiroteio teve nelas.

É uma longa estrada de recuperação para todos. Quando isso vai terminar?

LISA HAMP sobreviveu ao ataque de VirginiaTech, que deixou 32 mortos em 2007, e tornou-se uma ativista pela segurança nas escolas Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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