Descrição de chapéu
Brics Xi Jinping

Transformação de Xi em imperador é desafio para Brasil e resto do Ocidente

País decidiu acabar com limite de reeleição, abrindo espaço para líder se manter no poder 

Igor Gielow
São Paulo

A decisão do Partido Comunista Chinês de propor a manutenção indefinida no poder de seu líder, Xi Jinping, explicita um movimento que vinha ocorrendo nos últimos anos e devolve à ditadura de Pequim o caráter imperial.

A mudança, que certamente será tornada realidade, traz imensos desafios políticos ao Ocidente, Brasil extraordinariamente incluso na equação. Por maior que seja a insignificância diplomática de Brasília, o país ainda é a letra B num bloco político-econômico liderado pela China (o Brics).

Não que seja uma unidade política funcional e coesa. Cada um de seus integrantes tomou um caminho bastante distinto desde seu estabelecimento, em 2006, por Brasil, Rússia, Índia e China (o S só passou a representar a inicial inglesa de África do Sul em 2011). O denominador, contudo, é o peso econômico dos chineses, que só fez crescer: após um período de incerteza, o PIB do país voltou a crescer em 2017 em relação ao ano anterior.


Os chineses são os maiores parceiros comerciais do Brasil e começaram um movimento para investir em infraestrutura por aqui, a começar pela área de energia elétrica. Tudo isso se encaixa na visão de Xi, tornada política oficial no congresso do PC chinês no ano passado, de que o antigo “Império do Meio” precisa expandir suas fronteiras de influência de forma mais assertiva. A iniciativa econômica Um Cinturão, Uma Estrada, que visa criar corredores de trocas comerciais e de investimento estrutural, tem a pretensão de ser o braço executor desse plano.

A consolidação final do poder de Xi, propondo a abolição das amarras constitucionais que restringiram os movimentos personalistas de seus dois antecessores, sugere uma execução mais vigorosa de suas intenções. Num momento de franco isolacionismo dos Estados Unidos sob Donald Trump, o próximo presidente brasileiro provavelmente terá de fazer opções de alinhamento político complicadas. Mais do que nunca, o caráter absolutista e repressivo da ditadura chinesa será questionado.

Por óbvio, isso vale também para Washington e para o resto do Ocidente, que alimentou feliz o panda gigante abarrotado de mão-de-obra barata e consumidores cada vez mais ávidos. A hipocrisia sempre foi a régua utilizada para determinar os limites dos relacionamentos, e isso vem dos anos 1970, quando Richard Nixon abraçou Mao Tsé-tung para quebrar a retaguarda da União Soviética.

O dinheiro falou mais alto nas décadas seguintes, apesar de soluços constrangedores como o massacre da praça da Paz Celestial em 1989 —que, de todo modo, abriram caminho para as restrições ao poder absolutista dos líderes chineses até hoje.

Os soviéticos caíram, e a Rússia de Vladimir Putin hoje é o R dos Brics, bastante interligada a Pequim. Boa parte da tecnologia militar chinesa tem como ponto e origem material russo, e ambos os países já fizeram juras de auxílio mútuo na área de hidrocarbonetos.

Há óbvia desconfiança, em especial pelo fato de as fronteiras russas no Oriente serem praticamente desabitadas e sob forte influência econômica chinesa. Putin buscará sua última reeleição, garantida, no mês que vem. Resta saber se o movimento de Xi pode inspirar o presidente, que até aqui sempre jogou dentro das regras constitucionais para manter o poder que conquistou em 2000. 

Com Xi tornando-se um “imperador vermelho” no estilo de Mao e Deng Xiaoping, essa volta ao século 20 será contraposta à realidade de quase estarmos nos anos 2020. Por mais que seja feroz no controle da internet, o regime não tem como isolar totalmente seu 1,4 bilhão de habitantes do resto do mundo. Demandas sociais por mais liberdade invariavelmente virão com a expansão econômica e política da ditadura, gerando pressões contraditórias a desafiar Xi, de resto hoje líder incontestável após uma série de expurgos em nome da pureza partidária.

A história ensina que uma hora o equilíbrio sob tensão desmorona, e aí será a vez de o Ocidente, Brasil incluído, decidir se vai proceder apenas utilizando o cérebro que guarda no bolso. Isso se a crescente expansão das capacidades militares da China não se tornar, nos anos a seguir, uma profecia que se cumpre sozinha e levar o império emergente a embate direto com os Estados Unidos. Este é um filme que já passou muitas vezes.

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