Alexander Nix, da Cambridge Analytica, tem perfil misterioso

Fundador da empresa foi demitido após ser fala polêmica gravada por câmera escondida

Alexander Nix, da Cambridge Analytica, depõe no Parlamento inglês em fevereiro
Alexander Nix, da Cambridge Analytica, depõe no Parlamento inglês em fevereiro - 27.fev.2018/AFP
William Booth Karla Adam
Londres | Washington Post

​A imprensa e os parlamentares britânicos —e até seus ex-funcionários— estão divididos sobre como caracterizar o misterioso, rico e bem vestido Alexander Nix, fundador da hoje infame Cambridge Analytica, processadora de dados de Londres que afirma ter ajudado Donald Trump a ganhar a eleição e agora é suspeita de violar a privacidade de dezenas de milhões de usuários do Facebook. 

Legisladores em Londres, em Washington e além querem ouvir mais de Nix. Mas ele se apagou desde que foi suspenso na semana passada —demitido depois de ser apanhado por uma câmera oculta se vangloriando de que agentes de sua empresa podiam pegar em armadilha adversários em terras distantes, usando belas ucranianas.

Na terça-feira (27), Nix foi descrito como uma espécie de Dr. Maligno por um membro da comissão parlamentar britânica que investiga a Cambridge Analytica, juntamente com o Facebook e as "fake news". Ele se perguntou em voz alta durante uma audiência pública na Câmara dos Comuns se Nix, 42, talvez se imaginasse como o líder da SMERSH [a contraespionagem soviética] —inimigo ficcional de James Bond.

Na audiência, Christopher Wylie, ex-diretor de pesquisa de Nix e hoje delator, disse que o via menos como 007 e mais como vigarista. "Ele é um vendedor, gosta de vender coisas", disse Wylie à comissão, explicando que como diretor da Cambridge Analytica o trabalho de Nix era atrair clientes, e não escrever algoritmos.

"Ele não tem experiência em psicologia, tecnologia, marketing ou política", disse Wylie ao Washington Post.

Wylie disse que Nix e sua empresa não se importavam em infringir a lei em países em desenvolvimento, desde que ganhassem eleições para seus clientes —na Nigéria, no Quênia, em Gana e na região do Caribe.
Perguntado sobre qual ele achava que seria o próximo passo de Nix, Wylie —um apoiador do Brexit que usa cabelos tingidos de cor-de-rosa e um brinco no nariz— sugeriu: "Cadeia?"

Wylie afirmou aos membros da comissão parlamentar que o que Nix lhes disse no mês passado sobre o uso por sua empresa de dados do Facebook era "excepcionalmente enganoso e, para ser franco, não apenas enganoso, mas desonesto". A companhia negou os erros. Nix negou usar de forma indevida dados do Facebook.

Nix não respondeu a mensagens de texto e de voz do Washington Post.

Nix chegou ao SCL Group, matriz da Cambridge Analytica, em 2003. A Cambridge Analytica foi fundada em 2013 com verbas do megadoador republicano Robert Mercer, em parceria com o ex-assessor de Trump Steve Bannon

Nix tem a reputação de um apresentador educado, um fechador de negócios que usava ternos da Savile Row (famosa rua de alfaiates em Londres) como armadura em batalhas em bares de hotéis na África e na Ásia e para vender seu produto, que era influenciar pessoas e ganhar eleições.

"Ele tinha um slogan padrão", disse Wylie, que era: temos os melhores e mais inteligentes nos melhores escritórios nos melhores endereços em Londres e Cambridge, e aliás eu estudei em Eton. "Tudo era planejado para apresentar um verniz muito elegante para os clientes, onde isso caía muito bem, nos países em desenvolvimento da comunidade britânica", disse Wylie

LACUNAS

Nix frequentou o exclusivo Eton College, e depois a Universidade de Manchester. Trabalhou em bancos e finanças na Cidade do México e em Londres, quando tinha 20 e 30 anos.

Mas há lacunas na biografia básica de Nix.

A internet nos diz que ele joga polo bastante bem, em uma equipe chamada Libertines e em outras. Há muitas fotos de Nix a cavalo. Mas seus amigos do polo não respondem mais a telefonemas da imprensa.

Casado? Filhos? O Daily Mail relatou na semana passada sobre "uma vasta casa no oeste de Londres, que ele e sua namorada, a herdeira da navegação norueguesa Caroline Paus, compraram por 4,5 milhões de libras (cerca de R$ 21 milhões) em fevereiro de 2012".

Em seu depoimento ao Parlamento na terça-feira (27), Wylie disse que certa vez eles atrasaram uma reunião porque Nix tinha de pegar um castiçal de US$ 280 mil. 

Três de seus ex-funcionários disseram ao Post que Nix era, alternadamente, um dominador, um prepotente, um homem de ideias, um encantador, um embusteiro e alguém muito eficiente.

Um ex-empregado, que não quis dar seu nome porque assinou um acordo de confidencialidade, disse que Nix era um homem de família dedicado.

Um sócio que trabalhou com Nix em 2012 antes da eleição nacional no Quênia afirmou: "Ele era muito agressivo, um típico 'sou extremamente rico e portanto sei o que estou fazendo'. Você conhece o tipo", disse ele.

Em perfis na mídia publicados antes do escândalo da Cambridge Analytica, Nix era chamado de "gênio". Mas era extremamente fechado. Certa vez ele ameaçou sair de uma entrevista que começou com perguntas básicas sobre família, criação e estudos, protestando que ninguém queria saber que tipo de cereal ele comia no café da manhã.

Apresentado como um astro do rock no circuito de conferências de tecnologia, Nix proclamava de modo provocativo que os velhos tempos de colocar anúncios inteligentes criados por pessoas criativas para atrair os consumidores tinham terminado, e que uma nova era havia chegado com "microtargeting" de eleitores, baseado em perfis psicológicos com dados sobre as profundas esperanças e temores dos indivíduos.

Alternativamente, seus concorrentes rejeitavam Nix como um charlatão. Ou, como colocou um colunista do Financial Times, "um publicitário exagerando o poder de sua firma de análise de dados". E acrescentou com desprezo: "Há muitos deles".

Na semana passada, Nix foi suspenso do cargo de executivo-chefe da Cambridge Analytica, "aguardando uma investigação plena e independente". Isso ocorreu horas depois que o Channel 4 do Reino Unido transmitiu uma reportagem mostrando Nix, filmado com câmera oculta, gabando-se de que sua companhia podia empregar agentes para posar como empreiteiros ricos e atrair políticos do exterior a aceitar propina em, ironicamente, gravações de câmera oculta.

Nix disse à BBC que estava falando com um certo nível de "hipérbole" e brincando com a equipe disfarçada do Channel 4. A defesa não caiu bem.

Na semana passada, uma comissão do Parlamento britânico que investiga notícias falsas e o Facebook pediu que Nix volte a depor ao painel, afirmando que seu depoimento em fevereiro pode ter sido enganoso. 

"Também estamos interessados em lhe perguntar novamente sobre sua afirmação de que 'não trabalha com dados do Facebook'", o que foi contestado por recentes revelações na imprensa britânica e americana.

A carta terminava com uma advertência: "Fazer declarações falsas a uma comissão seleta é uma questão muito séria. Solicitamos que o senhor se apresente e explique seus comentários em uma audiência da comissão". 

Na sexta-feira (23), a Suprema Corte corte da Grã-Bretanha deu ao Comissário de Informação um mandado para vasculhar os arquivos e servidores da Cambridge Analytica em Londres. Os investigadores passaram sete horas nos escritórios. Nix negou qualquer desvio.

Horas antes do aparecimento da primeira denúncia na semana passada, Nix disse à BBC que a Cambridge Analytica foi procurada em 2014 "por um acadêmico muito respeitado", o psicólogo da Universidade Cambridge Aleksandr Kogan, que "disse que tinha os meios necessários, os meios legítimos e legais, para coletar dados de usuários do Facebook que poderíamos usar como parte de nosso modelo". 

Como parte da pesquisa de Kogan, o Facebook lhe deu acesso a dados de 57 bilhões de amizades no Facebook, segundo um trabalho de pesquisa em que o professor é coautor.

O fundador e executivo-chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, pediu desculpas pela "quebra de confiança" em publicidades colocadas no domingo (25) em importantes jornais, incluindo o Washington Post.

"Nós só trabalhamos com partidos políticos da corrente dominante", disse Nix em uma entrevista ao site Tech Crunch imediatamente depois da vitória de Trump em novembro de 2016. "Tories, trabalhistas, republicanos, democratas. Nós evitamos partidos políticos marginais ou grupos minoritários. Não estamos tentando orquestrar uma revolução."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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