Descrição de chapéu Rússia

Burocracia e falta de verba minam oposição a Putin em eleição na Rússia

País exige formulário e dinheiro vivo para doações e  autorização prévia para campanha na rua

Votante olha para cartaz com os oito candidatos presidenciais da Rússia em centro de votação na ilha de Kolguyev, no Ártico
Votante olha para cartaz com os oito candidatos presidenciais da Rússia em centro de votação na ilha de Kolguyev, no Ártico - Sergei Karpukhin - 28.fev.2018/Reuters
Igor Gielow
Moscou

Universitário com alguns recursos, Ivan Gorosenko, 21, decidiu no mês passado que iria fazer uma doação eleitoral para o partido liberal Iabloko, sigla com longa presença na política pós-soviética, mas basicamente nanica e sem representação parlamentar.

Ele ligou para a sede do partido em Moscou para saber como doar 10 mil rublos (R$ 570), quase o valor do salário mínimo local a partir de maio.

“Queria uma conta, um PayPal. Mas aí descobri que teria de tirar o dinheiro em notas, ir a um banco e preencher uma ficha em que contava minha vida toda. Ou seja, ia ficar marcado e poderia me prejudicar na faculdade, que é estatal”, afirmou.

O drama se estende a outras campanhas minoritárias. “O sistema é feito para não funcionar”, diz Vitali Shkliarov, estrategista do time de Ksenia Sobchak, candidata do Iniciativa Cívica.

Socialite e rica, ela tem uma estrutura baseada em voluntários. São cerca de 70 no seu quartel-general, que se assemelha a um grande escritório de trabalho compartilhado na moda entre os “hipsters” de São Paulo, com visual industrial, luzes indiretas e endereço numa antiga fábrica de peças de seda.

“Se o sujeito erra uma vírgula na sua declaração, a doação fica com o governo. Quem vai fazer isso?”, conta Shkliarov. Empresas podem doar também, mas a burocracia é ainda maior, o que leva ao caixa dois. “Já vieram aqui com malas de dinheiro, mas não aceitamos”, disse.

O teto para gastos é de R$ 22,8 milhões, valor que faria rir de desdém um marqueteiro no Brasil.

Dinheiro não é problema para Vladimir Putin, que simbolicamente deixou seu partido, o Rússia Unida, para concorrer como independente.

“Ele tem toda a estrutura a seu favor, a cobertura da TV estatal”, diz Shkliarov, que coordenou uma vitória histórica de oposicionistas na eleição moscovita do ano passado ao usar aplicativos para facilitar o processo de inscrição de candidatos —algo que trouxe de sua experiência nas campanhas de Barack Obama e Bernie Sanders nos EUA.

Ainda assim, há questões de transparência envolvendo doações para Putin. Um dossiê divulgado na terça (13) pelo jornalista investigativo Roman Shleinov tracejou o dinheiro que chega ao comitê de Putin de volta a fundações de políticos ligados ao Kremlin.

PROPAGANDA NA TV

Os partidos têm direitos a inserções de 30 segundos algumas vezes por dia, a depender de seu tamanho, como no Brasil. Mas é possível pagar, como nos EUA.

“A questão é que 30 segundos em horário nobre custam 500 mil rublos (R$ 30 mil, 20 vezes menor do que o equivalente em uma grande rede aberta no Brasil), e não temos muito dinheiro”, diz a chefe da campanha de Iavlinski, Emilia Slabunova.

Primeira mulher a dirigir um partido na Rússia, ela experimentou na pele outro problema comum no país: o constrangimento à expressão política.

Na sexta-feira passada, Emilia acompanhou o protesto de vizinhos do parque de exposições VDNKh, no nordeste de Moscou, contrários à instalação da maior roda-gigante da Europa no local.

“Eu comecei a falar, criticando a prefeitura, e logo apareceram policiais que me levaram para a delegacia.

Eu sou uma deputada, mas disseram que eu não tinha autorização”, disse Emilia, liberada após quatro horas.

Com isso, a impressão é de um progressivo engessamento da vida política, baseado na premissa de que Putin será reeleito de qualquer forma. “É um círculo vicioso”, define o analista político Konstantin Frolov.

A campanha de rua é virtualmente inexistente, em especial comparando com as campanhas dos anos 2000.

Na tarde de terça, alguns voluntários enfrentavam o frio de 4 graus negativos e as calçadas escorregadias da elegante rua Piatnitskaia para distribuir santinhos de Iavlinksi, mas eles estavam na frente do QG do Iabloko, com acesso a chá quente.

A oposição que não está na eleição, representada pelo blogueiro e ativista Alexei Navalni, barrado de concorrer, prega boicote ao pleito.

Sua atuação é de guerrilha. No começo do mês, buscando incentivar o comparecimento ao pleito, a Justiça Eleitoral de Belgorod (sudoeste russo) imprimiu 1,25 milhão de panfletos convocando os cidadãos às urnas.

Só que alguém errou a grafia do site da Justiça Eleitoral. Apoiadores de Navalni perceberam e criaram um endereço com aquele nome, redirecionando quem clicasse para um site pró-boicote

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