Casa Branca tem semana de caos com anúncio de tarifas e saída de assessora

Rebaixamento da credencial de segurança de Kushner, genro de Trump, também teve repercussão

Jared Kushner com seu sogro, o presidente Donald Trump, em reunião na Casa Branca em dezembro
Jared Kushner com seu sogro, o presidente Donald Trump, em reunião na Casa Branca em dezembro - Evan Vucci - 20.dez.2017/AP
Mark Landler Maggie Haberman
Washington | The New York Times

Há 13 meses no Salão Oval, e antes em uma carreira heterodoxa nos negócios, o presidente Donald Trump prosperou no caos, usando-o como um princípio organizador e até um instrumento de gestão. Hoje os custos desse caos estão ficando cada vez mais claros na equipe desmoralizada e no desarranjo político de uma Casa Branca errática.

A disfunção foi vivamente exibida na quinta-feira (1) quando o presidente adotou tarifas sobre as importações de aço e alumínio. Na véspera, o principal assessor econômico de Trump, Gary Cohn, advertiu o chefe de Gabinete, John Kelly, de que poderia renunciar caso o presidente seguisse em frente com o plano, segundo pessoas informadas da conversa. Cohn, um ex-presidente do Goldman Sachs, tinha feito um intenso lobby contra essas medidas. 

Sua ameaça de deixar o governo ocorreu durante uma semana tumultuada em que Trump sofreu a partida de sua mais próxima assessora, Hope Hicks, e o efetivo rebaixamento de seu principal assessor e genro, Jared Kushner, que perdeu sua credencial de segurança "top secret". Trump foi obrigado a negar, por meio de um assessor, que estava prestes a demitir seu assessor de segurança nacional, o tenente-general H. R. McMaster.

Kelly resumiu o clima predominante na Ala Oeste. "Deus me puniu", brincou ele sobre sua transferência do Departamento de Segurança Interna para a Casa Branca durante uma conversa para marcar o 15º aniversário do departamento. 

Quando os assessores da Casa Branca chegaram para trabalhar na quinta-feira (1º), não tinham uma ideia clara do que Trump diria sobre comércio. Ele havia convocado executivos do aço e do alumínio para uma reunião, mas quando a Casa Branca disse apenas que ele ouviria suas preocupações pareceu indicar que Cohn tinha evitado as tarifas.

No final de uma sessão de fotos, porém, quando um repórter perguntou a Trump sobre as medidas, ele confirmou que os EUA anunciariam na próxima semana a imposição de tarifas de longo prazo de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio. A Casa Branca ainda não terminou a revisão jurídica das medidas. 

Ao tirar da manga uma guerra comercial, Trump abalou o mercado de ações, enfureceu os republicanos e deixou o futuro de Cohn em dúvida. Cohn, que quase saiu em 2017 depois da reação de Trump a uma manifestação racista em Charlottesville, na Virgínia, indicou que estava esperando para ver se o presidente seguirá em frente com as tarifas, segundo pessoas inteiradas de seu pensamento.

John Kelly, chefe de gabinete de Trump, e Sarah Sanders, porta-voz da Casa Branca, durante o anúncio de tarifas para aço e alumínio
John Kelly, chefe de gabinete de Trump, e Sarah Sanders, porta-voz da Casa Branca, durante o anúncio de tarifas para aço e alumínio - Kevin Lamarque - 1º.mar.2018/Reuters

ARMAS

Foi o segundo dia seguido em que Trump pegou de surpresa os republicanos e seus próprios assessores. Na quarta, em outra sessão televisionada na Casa Branca, ele defendeu um controle de armas mais rígido defendido pelos democratas e pediu que os legisladores reanimem os regulamentos de segurança sobre armas que vão contra a Associação Nacional do Rifle (NRA na sigla em inglês) e a maioria de seu partido. Mas no final de quinta-feira (1º) ele parecia ter mudado de ideia de novo, desta vez após uma reunião com líderes da NRA que ele descreveu como "ótima".

Trump está isolado e irritado, também, segundo outros amigos e assessores, enquanto segue em uma amarga disputa com seu ministro da Justiça e vê membros de sua família se chocarem com um chefe de Gabinete que ele recrutou para restabelecer uma aparência de ordem –tudo contra a sombra cada vez mais escura da investigação de suas ligações com a Rússia. 

O efeito combinado está saindo caro.

O instinto de Trump durante esses momentos é voltar aos temas populistas que o levaram à Casa Branca, e é por isso que o anúncio que fez sobre comércio não causa grande surpresa. Trump tem poucas opiniões definidas sobre qualquer assunto, mas é constante em sua antipatia pelo livre comércio desde os anos 1980, quando publicou anúncios em jornais advertindo sobre os deficits dos EUA com o Japão –preocupação que foi transferida para a China nos últimos anos. 

"A OMC foi um desastre para este país", disse Trump na quinta, afirmando que a ascensão econômica da China coincidiu com sua entrada na Organização Mundial do Comércio. "Ela foi ótima para a China e péssima para os EUA, e ótima para outros países."

Mas um presidente que há muito tenta impor ao mundo sua versão da realidade está encontrando os limites dessa estratégia. Sem o ex-assessor Rob Porter no papel de substituto no comércio, o debate foi marcado pela falta de foco em políticas e planejamento, segundo vários assessores.

O moral na Ala Oeste caiu muito, segundo essas pessoas. Em conversas privadas, Trump ataca regularmente o ministro da Justiça, Jeff Sessions, com uma acidez que surpreende membros de sua equipe. Alguns antigos assessores disseram que Trump considera a decisão de Sessions de se afastar da investigação sobre a Rússia como o "pecado original", que o presidente acha que o deixou exposto.

FILHOS

Os filhos de Trump, enquanto isso, se desesperaram com Kelly, vendo-o como um obstáculo ao sucesso de seu pai e um antagonista à sua presença constante, segundo várias pessoas familiarizadas com seu modo de pensar.

Anthony Scaramucci, um aliado de alguns membros da família Trump, a quem Kelly demitiu do cargo de diretor de comunicações após apenas 11 dias, intensificou suas críticas ao chefe de gabinete em uma série de entrevistas na quarta e quinta-feira.

Mas Trump também está frustrado com Kushner, que hoje ele considera uma desvantagem por causa de suas confusões legais, as investigações da companhia imobiliária da família Kushner e a publicidade dada à redução de seu nível de permissão de segurança, segundo duas pessoas que conhecem suas opiniões. Em conversas privadas, o presidente vacila entre lamentar que Kushner esteja sendo alvejado e se incomodar por ele ser mais um problema a resolver.

Em particular, alguns assessores manifestaram frustração de que Kushner e sua mulher, Ivanka Trump, a filha do presidente, continuem na Casa Branca, apesar de Trump às vezes dizer que eles não deveriam ter vindo e deveriam sair. Mas assessores também comentaram que Trump disse ao casal que eles devem continuar em suas funções, embora tenha pedido em particular a ajuda de Kelly para removê-los.

Para alguns membros da equipe de governo, o caos parece remanescente dos primeiros dias do governo Trump. Alguns afirmam que Kelly deveria ter feito uma reformulação maior da equipe quando chegou. Isso permitiu que muitas pessoas estagnassem, particularmente em papéis ligados à definição de políticas, segundo um assessor. 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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