Descrição de chapéu BBC News Brasil México violência

Como balneário turístico no México se tornou a cidade mais violenta do planeta

Los Cabos tem taxa de 111,33 homicídios para cada 100 mil habitantes

Alberto Nájar
México

O assassinato foi ao meio-dia. Quando saiu de casa, a mulher de 26 anos se deparou com desconhecidos, que dispararam contra ela. Seu corpo ficou caído em frente à porta.

O crime ocorreu em 23 de fevereiro em Las Palmas, um bairro popular do balneário de Los Cabos, na Baixa Califórnia do Sul, um Estado do noroeste do México.

Este é um dos principais destinos turísticos do país e também a cidade mais violenta do mundo, segundo a organização de sociedade civil mexicana Segurança, Justiça e Paz.

Soldados em uma praia com turistas ao fundo
A Marinha do México atualmente vigia as praias do balneário - Oswaldo Rivas - 16.jun.2012/Reuters

De acordo com um levantamento feito pela ONG com dados de 2017, foi registrada no balneário a taxa mais alta do mundo de homicídios dolosos por cada 100 mil habitantes, 111,33.

Los Cabos entrou pela primeira vez no ranking das cidades mais violentas elaborado pela organização, divulgado na última terça-feira.

E sua estreia foi já no primeiro lugar, à frente de lugares como Caracas, capital da Venezuela, ou San Pedro Sula, a segunda cidade mais populosa de Honduras.

Estas duas cidades têm um alto índice de insegurança e, em outros anos, ocuparam a liderança. Esse resultado gerou controvérsia.

"Está completamente fora de contexto, [o ranking] especula e manipula números para mostrar Los Cabos como um local inseguro", disse o secretário-geral da Prefeitura, Alberto González Rivera.

O presidente da ONG Segurança, Justiça e Paz, José Antonio Ortega Sánchez, explica que Los Cabos não havia constado antes no relatório porque sua população tinha menos de 300 mil habitantes, um requisito para fazer parte do estudo.

Quando a medição foi realizada, foram registrados 365 assassinatos, ou 111,3 por cada 100 mil habitantes. Mas isso não é tudo.

"Em 2016, houve 61 homicídios, o que aponta para um crescimento explosivo de mais de 500%", diz Sánchez. 

'Reacomodação' dos cartéis

Fora a polêmica em torno dos números, é certo que há mais de um ano Los Cabos vive uma onda de violência inédita na sua história.

O caso da mulher assassinada na frente de casa é o mais recente, mas, semanas antes, em 8 de fevereiro, houve um confronto entre marinheiros e supostos deliquentes em que morreram sete pessoas.

E, em dezembro, apareceram cadáveres de quatro jovens pendurados em duas pontes.

Por trás da violência, existe uma "reacomodação" de cartéis de narcotraficantes que disputam o mercado local, diz Martín Barrón, pesquisador do Instituto Nacional de Ciências Penais (Inacipe), no México.

Por décadas, na península da Baixa Califórnia, onde fica o balneário, o narcotráfico foi dominado pelo Cartel de Tijuana, dos irmãos Arellano Félix.

A organização foi alvo de operações militares e se enfraqueceu a ponto de alguns considerarem que havia sido extinta.

Mas gangues que colaboravam com o grupo seguem ativas, e algumas inclusive buscaram alianças com organizações maiores.

A partir de 2016, após a segunda recaptura de Joaquín Guzman Loera, o "El Chapo", começou uma disputa no Cartel de Sinaloa, que ele ajudou a fundar e que chefiava até então.

Seu homem de confiança, Dámaso López Nuñez, o "El Licenciado", pretendia com esta briga ficar com o mercado da Baixa Califórnia do Sul.

Ele até se aproximou dos herdeiros da gangue Beltrán Leyva, assim como do Cartel Jalisco Nueva Generación (CJNG), atualmente considerado o grupo mais violento do país.

Ele foi derrotado quando foi capturado pela polícia em maio de 2017. Seu filho, Dámaso López Serrano, o "El Mini Lic", se entregou ao governo dos Estados Unidos em julho do ano passado. No entanto, a disputa por Los Cabos continuou.

Pleito local

O CJNG manteve sua incursão no balneário e outras cidades da Baixa Califórnia do Sul. Mas teve de enfrentar grupos locais vinculados aos cartéis de Sinaloa e de Tijuana que controlavam o tráfico nesta região, explica Barrón.

Gangues e pessoas identificadas pelas autoridades como "Don Blas", "El Mario", "Melvin", "Los Barranco", "Chicarcas", "Turbo" e "Los Zamudio" faziam parte da organização de Tijuana e, em 2016 e 2017, entraram em confronto com os grupos do "El Licenciado" e, agora, fazem o mesmo com o CJNG.

Isso explica a violência em Los Cabos, diz Barrón. "O Jalisco Nueva Generación disputa esse mercado não só com o Sinaloa, mas com a família Arellano Félix."

Eles e seus aliados locais controlavam o mercado de drogas na península. Por isso, "qualquer intrusão de outro cartel provoca violência".

Isso ocorre agora no balneário. "O que vemos é uma reacomodação das organizações criminosas. Não há outra forma de explicar."

O presidente da Segurança, Justiça e Paz concorda. "Há uma disputa por esse mercado. Ali, vendem drogas, e isso faz com que aumentem os homicídios."

A controvérsia

Paradoxalmente, em 2017, período em que foram avaliados os números de homicídios para fazer o ranking das cidades mais violentas do mundo, Los Cabos recebeu mais de 3 milhões de turistas, segundo a Prefeitura.

É um dos índices mais altos da história recentre, apesar de, neste mesmo ano, o governo dos Estados Unidos ter emitido um alerta para que seus cidadãos evitassem o balneário.

O alerta foi retirado em janeiro. Agora, só constam conselhos e informação sobre as precauções a serem tomadas durante uma eventual viagem. Por isso, empresários, comerciantes e profissionais do setor hoteleiro rechaçaram com tanta veemência a liderança do balneário no ranking.

Rodrigo Esponda, diretor da comissão de promoção turística de Los Cabos, uma organização formada pelo governo e a iniciativa privada, questiona a metodologia do ranking, porque este não inclui cidades em estado de guerra, por exemplo.

"Um estudo que considera Baltimore ou Nova Orleans mais perigosas do que Aleppo ou San Pedro Sula definitivamente não é sério", diz.

O presidente da Segurança, Justiça e Paz responde que as medições foram feitas com base em dados oficiais divulgados pela internet. "A violência homicida em Los Cabos está explodindo", destaca.

A polêmica não é nova no México, onde existem várias estatísticas sobre o número de homicídios, às vezes contraditórias entre si.

Até agora, recorda Barrón, não está claro quantos assassinatos foram cometidos por cartéis - nem se sabe quantos destes crimes foram resolvidos.

Sem estes dados, insiste o pesquisador, é difícil conhecer a real dimensão da violência em Los Cabos ou qualquer outra cidade mexicana.


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