Desaparecido é 'questão invisível' na América Latina, afirma entidade

Para Comitê Internacional da Cruz Vermelha, famílias afetadas precisam de melhor assistência

Carolina Vila-Nova
São Paulo

O fenômeno do desaparecimento de pessoas é um dos “problemas humanitários invisíveis” relacionados à violência urbana na América Latina, e governos da região precisam trabalhar melhor não apenas para documentar esses casos, mas prestar assistência às famílias.

A avaliação é do diretor regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na América Latina, Stephan Sakalian, 44, em entrevista à Folha nesta sexta-feira (16).

“Não é porque a região tem ausência de conflitos armados que não há problemas humanitários decorrentes da violência armada, como desaparecimentos, deslocamentos internos e detenções”, afirmou Sakalian.

Sessão da Corte Interamericana de Direitos Humanos realizada no plenário do TST, onde representantes do governo colombiano reconhecem os desaparecidos no caso da desocupação do Palácio da Justiça em 1985. Familiares dos desaparecidos com fotos das vitimas durante a sessão.
Sessão da Corte Interamericana de Direitos Humanos realizada no plenário do TST, onde representantes do governo colombiano reconhecem os desaparecidos no caso da desocupação do Palácio da Justiça em 1985. Familiares dos desaparecidos com fotos das vitimas durante a sessão. - Sergio Lima/Folhapress

Ele diz que desaparecimentos tendem a ser parte invisível da violência porque as pessoas naturalmente focam mais em homicídios —“que são muito tristes, mas são apenas a ponta do iceberg”— e feridos por arma de fogo e cobra uma abordagem “mais holística” do problema.

A entidade, que trabalha com a questão dos desaparecimentos no continente desde os anos 1980, está mudando o foco. Se antes mirava quase exclusivamente em desaparecimentos resultantes de conflitos do passado, agora somaram-se casos relacionados a fenômenos atuais.

“Dois deles são a violência urbana ou violência armada em geral e os desaparecimentos em rotas de imigração, ou seja, pessoas que estão migrando por questões econômicas ou ligadas à violência armada, e desaparecem pelo caminho”, disse Sakalian.

Em alguns países, o foco ainda é relacionado a conflitos passados. A Guatemala, por exemplo, tem 40 mil desaparecidos de 36 anos de guerra civil (1960-1996).

Um trabalho com Argentina e Reino Unido permitiu a identificação de 90 dos 122 soldados argentinos enterrados como desaparecidos nas Malvinas durante a guerra.

Na Colômbia, o tema dos desaparecidos foi incluído no acordo de paz celebrado no ano passado entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), graças aos esforços do CICV. Mas a entidade se preocupa com falta de avanços.

“Os mecanismos necessários para enfrentar o problema estão se arrastando. Houve a criação de uma unidade de busca nacional, mas ela precisa receber os meios, os recursos e o apoio para seguir adiante com esse assunto, sem o qual pensamos que a paz não pode ser completada”, afirmou Sakalian.

Stephan Sakalian, diretor regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para as Américas - Karime Xavier /Folhapress

Vala de Perus

No Brasil, o ponto de entrada para o CICV na discussão sobre desaparecimentos no país foi o caso da Vala de Perus, uma fossa comum no cemitério Dom Bosco, em São Paulo, de onde restos humanos não identificados foram exumados numa tentativa de localizar desaparecidos durante a ditadura militar.

A primeira ossada, dentre as cerca de mil localizadas nos anos 1990, foi identificada neste ano: a de Dimas Antônio Casemiro, militante da esquerda armada.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro, trouxe pela primeira vez estatísticas sobre desaparecimentos notificados no Brasil: 71.796 em 2016.

Sakalian ressalva que o dado não significa que todos desapareceram por causa da violência. E aponta que o sistema pode não ter registrado pessoas que reapareceram.

O trabalho com as autoridades brasileiras tem a ver com estabelecer um sistema adequado para registrar os casos. “Se você não consegue medir o problema primeiro, você não pode esperar uma resposta depois”, afirma.

A questão do atendimento às famílias é outro ponto problemático, tanto no Brasil quanto na região. Muitas vezes, diz ele, as famílias não sabem nem quem procurar.

“Além da dor e de não saber onde seu ente querido está, você enfrenta uma série de desafios legais, como os relacionados às suas propriedades privadas, ao acesso a contas bancárias e ao acesso a documentos especiais que a família precisa”, afirmou. 

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