Descrição de chapéu Governo Trump

Desprezo de Trump por Tillerson levou à demissão do secretário de Estado

Sem apoio da Casa Branca, chefe da diplomacia dos EUA não foi ouvido na questão norte-coreana

Washington | Washington Post

O secretário de Estado Rex Tillerson estava dormindo em um hotel de Nairóbi na madrugada do sábado (10), combatendo um vírus de estômago, quando o chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly, lhe telefonou, por volta das 2h, para lhe transmitir uma mensagem curta e grossa do presidente Donald Trump: o chefe não estava contente.

O presidente estava tão ansioso para demitir Tillerson que queria fazê-lo em um tuite na sexta-feira (9), mas Kelly persuadiu Trump a esperar até o secretário de Estado ter voltado da África aos Estados Unidos, disseram duas pessoas que tiveram conhecimento da conversa. Foi a primeira viagem de Tillerson ao continente desde que Trump descreveu partes da região como “países de merda”.

Mas, segundo um funcionário do Departamento de Estado, Kelly recomendou a Tillerson que ficasse de sobreaviso e possivelmente esperasse um tuite depreciativo de Trump no fim de semana. Tillerson não entendeu claramente que o chefe de gabinete lhe estava assinalando gentilmente que ele estava prestes a ser demitido.

O secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson chega em entrevista na qual confirmou sua saída do cargo
O secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson chega em entrevista na qual confirmou sua saída do cargo - Saul Loeb - 13.mar.2018/AFP

Assim, quatro horas depois de o avião de Tillerson ter pousado na base Andrews na manhã de terça-feira (13), o secretário de Estado tomou conhecimento de sua demissão com o tuite emitido por Trump minutos depois de o Washington Post ter divulgado a notícia.

“Obrigado a Rex Tillerson por seu serviço!” tuitou Trump em uma mensagem que começou dando os parabéns ao diretor da CIA Mike Pompeo, o nome escolhido por Trump para ser o novo secretário de Estado. O presidente nomeou Gina Haspel para a direção da CIA, tornando-a a primeira mulher a comandar a agência de espionagem, se sua indicação for confirmada. Tanto ela quanto Pompeo precisam ter suas indicações confirmadas pelo Senado.

Mais de três horas após o tuite, Trump finalmente telefonou a Tillerson do avião presidencial. Para Tillerson, foi um final humilhante de um relacionamento de 14 meses marcado por ressentimento e frustração mútuos. Em sua declaração de despedida, na tarde de terça-feira, Tillerson agradeceu os diplomatas de carreira por sua “honestidade e integridade” e o povo americano por “atos de gentileza” –mas fez questão de não agradecer a Trump nem elogiar sua liderança.

A demissão de Tillerson era prevista havia muito tempo, mas a maneira como se deu causou espanto no mundo oficial de Washington e foi um exemplo clássico do estilo Trump. O homem que fez seu nome anunciando “você está demitido” em um reality show hesita em demitir pessoas pessoalmente na vida real, tanto assim que demitiu Tillerson pelo Twitter.

Autoridades da Casa Branca e do Departamento de Estado, que têm estado em conflito constante desde o início da administração Trump, fizeram relatos divergentes sobre exatamente como se deu a saída de Tillerson.

E as consequências caóticas da demissão geraram danos colaterais –desta vez na forma de Steve Goldstein, o subsecretário de Estado de diplomacia pública e assuntos públicos, demitido rapidamente por refutar a versão dos fatos apresentada pela Casa Branca.

Mas Tillerson talvez não devesse ter ficado surpreso com seu afastamento, que já era previsto havia tanto tempo que as especulações recorrentes sobre sua saída ganharam um apelido: Rexit (saída de Rex).

“Rex e eu já vínhamos falando disso há muito tempo”, disse Trump a jornalistas na manhã da terça-feira. “Eu na realidade me dava bem com Rex, mas era uma mentalidade muito diferente, um modo de pensar diferente.”

Trump e Tillerson discordavam sobre a estratégia a seguir em questões cruciais de política externa, como o acordo nuclear de 2015 com o Irã, a abordagem em relação à Coreia do Norte e o tom geral da diplomacia americana. O presidente desprezava seu secretário de Estado por ser “establishment demais” em seu pensamento e por discordar dele em reuniões.

Em um sinal dessa tensão, Trump fez uma de suas maiores jogadas de risco em política externa sem sequer consultar seu secretário de Estado. O presidente decidiu na quinta-feira (8) aceitar o convite do líder norte-coreano Kim Jong Un para um encontro cara a cara, mas Tillerson estava viajando na África e ficou frustrado por ter sido excluído das deliberações internas, disseram funcionários da administração.

​Tillerson sempre manifestou interesse em uma solução diplomática do impasse nuclear com a Coreia do Norte, mas até recentemente Trump tinha rejeitado essas discussões como perda de tempo e optado, em vez disso, por uma campanha de “pressão máxima”, que incluía retórica beligerante por parte do presidente.

Trump desmoralizou Tillerson publicamente em outubro, depois de o secretário de Estado ter dito que estava buscando contatar Pyongyang para tentar abrir um canal diplomático. Em dois tuites, Trump escreveu que Tillerson estava “perdendo seu tempo tentando negociar com o Pequeno Homem Foguete. ... Poupe sua energia, Rex.”

Mas na semana passada, quando Trump mudou de estratégia e decidiu seu reunir com Kim, Tillerson foi excluído da discussão do assunto. Se isso deixou Tillerson indignado, agradou a Trump, que, segundo funcionários, disse a assessores que curtia o processo mais sem ter Tillerson envolvido.

Tillerson foi visto inicialmente por alguns como tendo uma relação demasiado cordial com o presidente russo Vladimir Putin, a quem conhecia de seus tempos como executivo do setor petrolífero, mas com o tempo desenvolveu uma postura de linha mais dura que Trump em relação a Moscou.

Na segunda-feira, durante seu voo de volta de Nairóbi, Tillerson pareceu ter discordado da Casa Branca na avaliação que fez do envenenamento de um ex-espião russo e sua filha no Reino Unido. Ele identificou a Rússia como culpada, ecoando a posição do governo britânico —algo que a secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, se negara a dizer no início do dia.

Em sua declaração de despedida na terça-feira, Tillerson marcou posição clara em relação à agressão russa, dizendo: “Ainda há muito trabalho a fazer em resposta aos comportamentos e ações perturbadores por parte do governo russo”.

Há meses Trump estava indignado com o que via como sendo a arrogância de Tillerson. Esse sentimento foi exacerbado por uma reportagem da NBC News, que não foi refutada diretamente por Tillerson, segundo a qual, após uma reunião no Pentágono para discutir estratégias, ele teria descrito Trump como “idiota”.

“Eles brigavam o tempo todo”, comentou um assessor de Trump, que, como outros entrevistados para esta reportagem, exigiu anonimato para fazer uma descrição franca do relacionamento entre Trump e Tillerson.

Trump tem um relacionamento muito mais cordial com Mike Pompeo, que conheceu o presidente pessoalmente pelo fato de lhe entregar seus briefings de inteligência em mãos. Existe uma química entre os dois, embora críticos de Pompeo dizem que ele é demasiado subserviente a Trump.

O presidente pensou seriamente em demitir Tillerson várias vezes nos últimos 12 meses, incluindo em novembro, quando a Casa Branca preparou um plano para substituí-lo por Pompeo. Mas Trump adiou o afastamento de seu chefe de diplomacia em parte, segundo um assessor, porque queria contestar relatos da mídia segundo os quais ele estaria planejando fazê-lo. “NOTÍCIA FALSA!” tuitou Trump, aludindo a isso.

Nos últimos dias Trump voltou a alimentar as especulações sobre uma possível demissão de Tillerson, e na sexta-feira seu filho mais velho, Donald Trump Jr., começou a contar a amigos que esperava que pai afastasse Tillerson no fim de semana. A revelação é de uma pessoa familiarizada com as conversas.

Trump se interessou por Tillerson inicialmente devido à estatura deste, por ter sido executivo-chefe da ExxonMobil, uma das maiores empresas do mundo, e por seu trabalho como negociador global. Ele disse a amigos que, com seus cabelos grisalhos e ombros largos, Tillerson teria a imagem perfeita para o papel de diplomata.

Mas o presidente se desencantou com Tillerson em muito pouco tempo e não fez segredo do fato. Ele ironizava os maneirismos do secretário de Estado e seu sotaque texano, dizendo que Tillerson falava muito devagar. Em conversas com assessores e amigos, Trump frequentemente citava outras pessoas que dizia que fariam um trabalho melhor que Tillerson, que ele frequentemente descrevia como “fraco”.

Para o presidente uma das razões dessa fraqueza seria o perfil de Tillerson na mídia. Trump disse a um assessor que ficou espantado com a quantidade de descrições negativas recebidas por Tillerson na mídia. “Esse cara nunca gera uma reportagem positiva sobre ele mesmo”, disse Trump, segundo o assessor.

Tillerson se isolou dos milhares de diplomatas de carreira que trabalham para o Departamento de Estado. Ele manteve uma relação distante e às vezes fria com a imprensa e encontrou dificuldade em ganhar mais estatura no palco mundial, pelo fato de que muitos diplomatas e líderes estrangeiros terem concluído corretamente que o secretário de Estado não falava em nome do presidente.

Tillerson tinha poucos aliados na Casa Branca. Ele era habitualmente desprezado por Jared Kushner, o genro de Trump e assessor sênior da Casa Branca que assumiu os dossiês diplomáticos do Oriente Médio e do México. Tillerson se indignava por ter que parecer subserviente a um homem de 37 anos sem nenhuma experiência em política externa. Às vezes levava dias para retornar telefonemas de Kushner e se queixava de que a Casa Branca estaria excluindo o Departamento de Estado de discussões.

Tillerson também teve desentendimentos frequentes com o assessor de segurança nacional H.R. McMaster, que a seu ver nem sempre seguia os devidos protocolos, e com a embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, que enxergava como rival interna, segundo funcionários da administração.

Funcionários do Departamento de Estado notaram –e se sentiram humilhados— quando Mike Pompeo não citou Tillerson quando apareceu em programas de televisão no domingo para explicar os fatos mais recentes relativos à Coreia do Norte.

Tillerson se queixava frequentemente a colegas, dizendo que Trump era impulsivo e volátil demais, e manifestava frustração pelo fato de o presidente ter dificuldade em se concentrar em conversas, em que fugia das questões em pauta. Mas estava determinado a conservar seu cargo. De acordo com um funcionário que discutiu essas questões com ele, a posição de Tillerson era: “Se ele quiser que eu saia, ele me mandará embora”.

Tillerson sentia aversão à vulgaridade de Trump. Ex-presidente nacional dos Escoteiros da América, Tillerson contou a confidentes que ficou horrorizado com o discurso político descontrolado de Trump no Acampamento Nacional de Escoteiros na Virgínia Ocidental, no verão americano.

Enquanto isso, funcionários da Casa Branca estavam especialmente descontentes com Margaret Peterlin, a chefe de gabinete de Tillerson, que controlava estreitamente a programação do chefe de Estado e tinha desentendimentos com outros funcionários da administração. Um funcionário da Casa Branca disse que Peterlin e seu vice pediram demissão na terça-feira.

O abismo entre a Casa Branca e o Departamento de Estado estava em evidência na manhã de terça-feira, quando funcionários dos dois lugares fizeram relatos conflitantes sobre o afastamento de Tillerson.

Funcionários da Casa Branca disseram que o telefonema de Kelly a Tillerson na semana passada foi uma mensagem clara de que Trump achava que era hora de o secretário deixar seu cargo e tinha sugerido que ele voltasse a Washington o quanto antes.

Tillerson antecipou seu retorno em um dia, embarcando na segunda-feira (12). Mas o subsecretário Steve Goldstein disse na manhã de terça que o secretário tinha pensado em continuar em seu cargo por algum tempo e desconhecia a razão de sua demissão.

Ele acrescentou que John Kelly disse a Tillerson apenas que ele “poderia esperar um tuite” do presidente, mas que o chefe de gabinete não lhe transmitiu que a decisão de demitir Tillerson eram final.

“Ele tomou conhecimento de que tinha sido demitido hoje”, disse Goldstein.

Pouco depois, o próprio Goldstein também foi demitido por ter contradito publicamente a versão dos fatos apresentada pela Casa Branca.

Nas últimas semanas, funcionários da administração o haviam acusado de criticar decisões da Casa Branca em conversas com jornalistas. Perguntado sobre isso na terça-feira, Goldstein respondeu: “Falei em nome do secretário de Estado. Isso era parte de meu papel como subsecretário”.

Na noite de segunda, quando a notícia sobre a saída provável de Tillerson começou a circular, funcionários do Departamento de Estado rejeitaram as especulações, dizendo serem falsas. Mas o secretário pode ter tido pelo menos uma intuição subconsciente de que nem tudo estava bem em Washington.

“Sinto que preciso voltar”, disse Tillerson a jornalistas durante seu voo de volta aos Estados Unidos. “Acho que preciso voltar, só isso.”

Ashley Parker , Philip Rucker , Josh Dawsey e Carol. D. Leonning

Tradução de Clara Allain

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