É urgente restaurar a democracia na Venezuela, diz presidente colombiano

Juan Manuel Santos atribui crise no vizinho a Maduro e propõe estreitar laço com o Brasil

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Buenos Aires

O presidente colombiano e prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, 66, chega a Brasília na noite desta segunda (19), para, no dia seguinte, encontrar-se com seu par brasileiro, Michel Temer. Na agenda estarão as relações bilaterais, o papel do Brasil nos processos de paz e, especialmente, a crise na Venezuela. 

A crise humanitária no país caribenho tem levado um grande fluxo de imigrantes a cruzar ambas as fronteiras. No caso da Colômbia, já são mais de 600 mil instalados no país, segundo dados oficiais. Do lado brasileiro, são por volta de 40 mil.

Tanto a Colômbia como o Brasil terão eleições neste ano (em maio e em outubro, respectivamente). 

Em entrevista à Folha por email, o colombiano diz que sua prioridade ao terminar o segundo mandato de quatro anos será cuidar da primeira neta, cujo nascimento é previsto para pouco antes da entrega da faixa presidencial.


Folha - O sr. acredita que deixará a Colômbia em paz? Esse atual impasse com o ELN (Exército de Libertação Nacional) será superado antes do fim do seu mandato?
Juan Manuel Santos - Nós conseguimos acabar com um conflito de mais de 54 anos com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). As eleições legislativas do último domingo (11) foram as mais tranquilas dos últimos tempos, com maior participação de eleitores e maior número de candidatos. 
A Farc, já desmobilizada e desarmada, se apresentou como um partido político (Força Alternativa Revolucionária do Comum). Ou seja, trocou as balas pelos votos, a violência pela democracia. E esta foi exatamente a razão pela qual fizemos o processo de paz.

A Justiça Especial para a Paz [tribunal especial para julgar os crimes dos ex-guerrilheiros e estabelecer reparações] já está funcionando para garantir os direitos das vítimas. Estamos levando 
investimento e a presença do Estado onde antes não havia. Sentimos o surgimento das oportunidades. O campo é hoje um dos motores da economia e a Colômbia se tornou um destino turístico desejado pelo mundo inteiro.

A construção da paz é um processo longo e difícil. Requer o trabalho de todos os colombianos. É como construir uma catedral, deve-se colocar tijolo sobre tijolo. Nisso estamos trabalhando e continuaremos trabalhando. Quanto poderemos avançar com o ELN dependerá do ELN [a guerrilha rompeu um cessar-fogo e se mostra rachada internamente, com uma parte disposta a dar continuidade às negociações de paz e outra retomando ações violentas].

Seu segundo mandato coincidiu com uma das mais graves crises da história recente do Brasil. Isso afetou a Colômbia? O sr. é otimista com relação à recuperação do país?
Alegro-me muito de ver a recuperação econômica do Brasil e estamos confiantes de que o país vai se manter neste caminho. Nossas relações comerciais passam por um bom momento e a atualização de nossos acordos de complementação econômica estão tendo um impacto muito positivo. Esperamos que os intercâmbios comerciais bilaterais superem os 
US$ 4 bilhões neste ano.

O Brasil e a Colômbia compartilham de forma mais intensa uma questão grave hoje para toda a América Latina, que é o elevado número de imigrantes que vêm saindo da Venezuela. Que saída o sr. vê para este problema?
A crise humanitária que a Venezuela vem sofrendo por culpa das políticas do atual governo está causando danos a todos nós. É urgente que a democracia seja restaurada.
O presidente [Nicolás] Maduro precisa reconhecer que enfrenta essa crise e permitir, enquanto isso, a entrada da ajuda humanitária que continuaremos insistindo muito em enviar. Continuamos dispostos a ajudar.

O Brasil esteve presente no início das negociações com as Farc. No caso das negociações com ELN, é um dos países garantidores. O que mais o Brasil deveria fazer para que as negociações saíssem do atual impasse?
O Brasil apoiou desde o primeiro momento a busca pela paz na Colômbia, e estou imensamente agradecido.
Sobre o ELN, acabo de dar novamente autorização para que a equipe negociadora volte a Quito [a capital do Equador sedia as conversas] para reiniciar a mesa de diálogo.
 Nossa disposição em buscar uma solução negociada que possa colocar fim ao conflito com o ELN continua firme. Trata-se, antes de mais nada, de salvar vidas. E nesta etapa o Brasil seguirá sendo importante.

Houve conversas entre presidentes (do argentino Mauricio Macri com a chilena Michelle Bachelet e depois com o sucessor desta, Sebastián Piñera, Michel Temer com o peruano Pedro Pablo Kuczynski) sobre a ideia de uma aproximação entre o Mercosul [Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela, por ora suspensa] e a Aliança do Pacífico [México, Colômbia, Peru e Chile] . O sr. crê que se trate de uma boa iniciativa?
Sim, a integração econômica deve continuar sendo um objetivo comum para a região.
Estamos convidando os presidentes do Mercosul para a próxima Cúpula da Aliança do Pacífico, que acontecerá no México, em julho, justamente para explorar essa possibilidade.

O governo dos EUA está preocupado com o aumento do território dedicado à produção de coca desde o fim das fumigações aéreas, cuja interrupção era parte do acordo de paz [desde então, a área cultivada praticamente dobrou]. Qual a solução para diminuir essa tensão?
Temos uma relação muito boa com os EUA, que vêm nos apoiando de forma constante com relação à paz. Continuamos totalmente comprometidos com o combate ao narcotráfico. Por causa da paz obtida com o acordo, queremos acabar de modo sustentável e permanente com o problema dos cultivos ilícitos.
Nossa estratégia de substituição de cultivos oferece alternativas reais aos camponeses, e estamos implementando uma política de erradicação manual firme. Ambas estão avançando bem.

Além disso, viemos incrementando como nunca os ataques às organizações criminosas e melhorando a eficiência das apreensões.

Somos aliados dos EUA nessa luta, que é uma responsabilidade compartilhada. Há duas semanas, em Bogotá, fizemos um acordo de cooperação por cinco anos para continuar combatendo o narcotráfico e para reduzir os cultivos ilícitos pela metade, nesse prazo.

Como o sr. crê que possa ser melhorada a contenção do crime organizado ao longo da fronteira com o Brasil?
Cooperação. Trabalhamos muito bem com as autoridades brasileiras e devemos continuar a fortalecer essa colaboração.

Quais são os planos para quando o sr. deixe o poder, em cinco meses ? Há alguma causa em especial à qual gostaria de se dedicar?
Primeiro, vou me dedicar à minha primeira neta, Celeste, que nascerá um pouco antes de que termine meu mandato, em 7 de agosto.

RAIO-X

Nascimento
Bogotá, 10 de agosto de 1951 (66 anos)

Formação Acadêmica
Graduado em administração e economia na Universidade do Kansas (EUA), mestre em economia e desenvolvimento econômico na London School of Economics e administração pública por Harvard

Carreira Política
Ministro do Comércio (1991-1993), da Fazenda (2000) e da Defesa (2006-2009) e presidente (2010-atualidade)

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