Descrição de chapéu Rússia

Eleição é injusta, mas vou até o fim, diz candidata à Presidência da Rússia

Ksenia  Sobchak rejeita acusação de que é 'laranja' do Kremlin para legitimar votação

Carregando buquê de rosas, a candidata presidencial Ksenia Sobchak passa por seguidores e fotógrafos após comício na cidade de Irkutsk, na Sibéria
Carregando buquê de rosas, a candidata presidencial Ksenia Sobchak passa por seguidores e fotógrafos após comício na cidade de Irkutsk, na Sibéria - Evgeny Kozyrev - 7.mar.2018/Reuters
Igor Gielow
Moscou

Candidata mais midiática do campo de oposição a Vladimir Putin, a jornalista e socialite Ksenia Sobchak classifica a eleição presidencial de domingo como sendo "de mentira", mas diz que "vai lutar até o último minuto".

Em entrevista exclusiva à Folha, ela renega a acusação de que é um joguete do Kremlin para dar verniz democrático a um pleito destinado a eleger Putin.

A insinuação surge de suas origens. Ksenia, 36, é filha de Anatoli Sobchak. Quando era prefeito de São Petersburgo, em 1991, foi ele quem trouxe o então tenente-coronel da KGB Putin à política.

Sobchak morreu em 2000 de um ataque cardíaco que muitos creditaram a um envenenamento nunca provado, pouco antes do protegido ser eleito pela primeira vez.

Dona de uma carreira de celebridade, Ksenia ganhou fama em 2004 ao pilotar o Casa-2, versão russa do Big Brother. Estrelou diversos editoriais de moda e foi capa da Playboy local em 2006.

Em 2012, deixou a rede estatal em que trabalhava. Comanda desde então um "talk-show" na rede oposicionista Dojd e, em 2013, casou-se e hoje é mãe de Platon, 1.

Sobre os anos agitados, diz que ficaram no passado. Sua imagem pública, contudo, segue glamourosa. Suas contas em redes sociais são recheadas de selfies e seu figurino a aproxima do estereótipo da russa rica e cosmopolita.

Ela se registrou em outubro como candidata independente e, no fim de 2017, entrou na Iniciativa Civil, partido do ex-ministro Andrei Netchaev. Após tentar associar-se ao oposicionista Alexei Navalni, impedido de concorrer, passou a criticá-lo.

Por todo o barulho que Ksenia causa, em especial no Ocidente sempre atrás de sinais de oposição a Putin, ela é nanica. Tem entre 0,5% e 1% em pesquisas, e grande rejeição —fato que poderia ser atribuído à misoginia da sociedade russa. Única candidata mulher em 2018, ela no entanto evitou falar disso na entrevista por email

 

Folha — Seu mote de campanha, "Contra todos", foi criticado até por Putin por não expressar uma plataforma. Qual é o motivo de sua postulação? Se eleita, quais seriam as diretrizes de seu governo?

Ksenia Sobchak — Essa eleição foi injusta desde o princípio. Mas eu prefiro participar dela para representar todas as pessoas que são contra o sistema e contra Putin. A voz delas precisa ser ouvida.
Eu não podia falar em TVs federais por tantos anos, e agora posso, sobre as coisas que importam: corrupção, violação de direitos humanos, o isolamento da Rússia, a pobreza da população. Sim, fazer parte dessa eleição de mentira significa que estou jogando pelas regras deles, mas não vou desistir, vou lutar até o último minuto. Eu tenho uma plataforma, "123 Degraus Difíceis". Especialistas muito respeitados em economia, direitos humanos, direito e outros campos contribuíram. Mas a coisa mais importante não é a plataforma, é mudar o sistema. Nenhum programa vai funcionar se você não tiver alternância de poder.

A sra. causou polêmica ao dizer que a Crimeia é ucraniana, mas que uma simples devolução não pode acontecer. Qual é sua política para a situação?

Não sou populista e não posso prometer o que não posso fazer. Há mais de 2 milhões de pessoas na Crimeia e muitas se acham russas e querem viver na Rússia.

Depois da anexação, a Rússia fez um referendo em que a maioria da população aprovou a união. Mas esqueceram de perguntar o que os ucranianos acharam. Então acho que um novo referendo, reconhecido e monitorado globalmente, deve ocorrer e que Ucrânia, Rússia e Crimeia devem participar.

Um ponto central da popularidade de Putin é a ideia de que ele restaurou a autoridade do país enfrentando o Ocidente. Qual é a sua opinião sobre isso, levando em conta a guerra na Síria e as disputas com a Otan?

Essa ideia é outro exemplo de propaganda usada pelo regime para justificar a decadência e a pobreza da Rússia. Nem a Otan, nem a Europa são inimigos. Nem precisamos da guerra na Síria. Um dia de intervenção custa, por baixo, US$ 2,5 milhões. Esse dinheiro poderia ser usado na construção de casas populares, estradas e infraestrutura.

Qual é a sua opinião pessoal sobre Putin? Sendo filha do padrinho político dele, é mais difícil criticá-lo?

Alguns críticos dizem que essa ligação faz da sra. um projeto do Kremlin para legitimar a eleição.

São mentiras óbvias. Esses foram rumores espalhados por quem não queria me ver na eleição. Esquecem que minha casa foi invadida, que a polícia tirou meu dinheiro e que eu perdi meu emprego na TV pública depois que optei por me opor ao regime.

O sistema todo é corrupto, e Putin é o responsável. Estou longe de defendê-lo. Eu até contribuí para duas investigações que Alexei Navalni fez. Não gosto de gente que faz insultos pessoais a qualquer um, inclusive Putin. "Olhe, ele tem botox no rosto", diz o Navalni. Eu detesto isso.

A Rússia é vista no Ocidente como um país misógino e conservador. A sra. tem um histórico bastante inusual, com fama na TV, além de ter expressado pontos de vista liberais, como ser a favor da legalização da maconha. Isso é um ativo eleitoral ou a sra. se sente discriminada?

As eleições aqui não têm nada em comum com as do Ocidente. A maior qualidade que alguém precisa é coragem. Eu tenho essa qualidade. Adoraria ver profissionais experientes enfrentarem debates e eleições, mas não tem muita gente assim aqui, então tem de ser eu. 

Sobre os "reality shows" que eu comandei, isso foi há 15 anos. É muito tempo. Seis anos atrás minha carreira de jornalista independente começou

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