Em quem confiar, na máquina ou nos humanos?

Sempre haverá humanos preparando trambiques e usando as máquinas para torná-los colossais

Na semana passada, no táxi que me levava a um evento, a rádio anunciava novas experiências com o que se convencionou chamar de “veículos autônomos", ou sem motorista, conduzidos pelo computador.

O taxista me perguntou se eu teria coragem de andar em um deles. Fiquei na dúvida. Há um lado positivo, claro. A coisa que mais me irrita ao dirigir eu mesmo o carro é a impossibilidade de fazer qualquer outra coisa que não seja guiar. Não dá para ler, não dá para trabalhar, não dá nem para namorar.

Aliás, há séculos, fui até multado por “dirigir servindo de encosto a alguém". Minha namorada (hoje, minha mulher) havia encostado a cabeça no meu ombro enquanto viajávamos, e o policial não teve dúvidas em aplicar a multa. A burocracia é uma das maiores inimigas do romantismo.

Delegar ao computador a condução do carro permitiria executar outras tarefas. Mas, ao mesmo tempo, sempre haveria o risco de ceder minha vida a uma máquina, com as consequências agora vistas no atropelamento de uma mulher no Arizona por um carro autônomo.

A questão, então, se resumiria a uma dúvida: confiar mais na máquina ou mais no ser humano?

A julgar pelo que está ocorrendo com o Facebook, tendo a ficar mais com a máquina.

Afinal, John Thornhill, colunista do Financial Times, diz que “a web, um maravilhoso recurso informativo, está se tornando em uma fossa cibernética".

Está mesmo, conforme reportagem investigativa do BuzzFeed divulgada na segunda-feira (19). Conta, por exemplo, que, após o assassinato de estudantes em Parkland (Flórida), criou-se um grupo chamado “Marcha por Nossas Vidas 2018 Oficial”. Anunciava ter 50 mil membros e parecia o local ideal para obter informações sobre a marcha pela vida e pelo controle de armas que a moçada estava preparando.

Só parecia: o grupo, na verdade, postava informações a favor das armas e ironizava aqueles que colocavam mensagens a respeito do controle.

Dias depois, o nome do grupo mudou para ‘Kim Jong Un Fan Club", usando o nome do ditador norte-coreano.

Moral da história, segundo o BuzzFeed: “Embora os grupos no Facebook possam oferecer uma experiência positiva para milhões de pessoas ao redor do mundo, eles também se tornaram um ímã global para spam, fake news, conspirações, desinformação sobre a saúde, pirataria, “trolling", golpes e outras ameaças para os usuários".

No Brasil, viu-se que o caso da execução da vereadora Marielle Franco foi usado para a tal “fossa cibernética” em grupos do Facebook.

E é inevitável supor que, neste ano eleitoral, também no Brasil se usará o esquema em investigação pelo menos no Reino Unido e nos Estados Unidos, pelo qual cerca de 50 milhões de usuários tiveram seus dados armazenados para uso em favor da campanha de Donald Trump, entre outras manobras.

Como no caso do carro autônomo, a culpa não é da máquina mas de quem a programou para usos indevidos. A ação é inteligente: a empresa que armazenou os dados usava o nome Cambridge Analytica, o que remete a uma das universidades mais badaladas do planeta.

Há uma empresa de pesquisas chamada Oxford Analytica, que é excelente, o que me induziria a crer que a Cambridge Analytica é igualmente confiável.

Tudo somado, sou obrigado a concluir que é menos arriscado confiar nas máquinas do que nos humanos: sempre haverá um grupo deles preparando trambiques e, ainda por cima, usando as máquinas para torná-los colossais.

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