Descrição de chapéu The New York Times Em 1968

Ex-alunos de Columbia lembram passado revolucionário de 1968

Em 23 de abril, ativistas ocuparam prédios, levando a uma das maiores prisões em massa da história de NY

Alunos da Universidade Columbia levantam as mãos em votação na greve de 1968 para a saída dos brancos do Hamilton Hall para que os estudantes negros fizessem um protesto à parte
Alunos da Universidade Columbia levantam as mãos em votação na greve de 1968 para a saída dos brancos do Hamilton Hall para que os estudantes negros fizessem um protesto à parte - Don Hogan Charles - 23.abr.1968/The New York Times
Jennifer Schuessler
Nova York | The New York Times

O campus da Universidade Columbia contém muitos monumentos a ideais elevados e figuras ilustres que estudaram na universidade. Mas numa tarde desta semana, cerca de duas dúzias de pessoas se reuniram em volta do relógio de sol na praça central da universidade para lembrar um evento altamente significativo que nunca foi homenageado com um monumento.

“‘Horam expecta veniet’ –aguarde a hora, ela virá”, declarou Frank Guridy, professor adjunto de história na universidade, lendo uma inscrição em latim no relógio de sol. “Acho um pouco poético o fato de as coisas terem começado aqui.”

“As coisas” é pouco para descrever o que começou na universidade Columbia por volta do meio-dia de 23 de abril de 1968, quando estudantes convergiram sobre a praça, unidos em oposição aos planos para a construção de um ginásio universitário num parque público próximo e pelo envolvimento da universidade em pesquisas de armamentos.

Uma semana depois, quase mil ativistas haviam ocupado cinco prédios (incluindo o da reitoria), feito o reitor de refém e fechado o campus, antes de serem retirados do local pela polícia em um enfrentamento violento que terminou com uma das maiores prisões em massa na história de Nova York.

Os aniversários de Columbia 1968 tendem a ser revividos nostalgicamente por aqueles que participaram dos acontecimentos, festejados em clima de um clássico do rock.

Mas Frank Guridy disse a um grupo de alunos atuais e ex-grevistas reunidos para percorrer a pé os locais ligados aos protestos que essa é uma história que só está começando a ser entendida plenamente agora, quando se aproxima o 50º aniversário dos fatos.

Organizada por Guridy e Thai Jones, curador da biblioteca de coleções especiais da universidade, a tour faz parte de um semestre de estudos sobre o legado do protesto; o semestre também inclui um feed no Twitter que vai reproduzir os acontecimentos em tempo real, uma exposição dedicada às dimensões globais de 1968 e uma conferência de três dias de duração.

Símbolos de Yin-Yang, da cruz, da foice e do martelo do comunismo, de paz de amor e a estrela de Davi aparecem entre os desenhos em um quadro-negro de uma sala ocupada por manifestantes em Columbia
Símbolos de Yin-Yang, da cruz, da foice e do martelo do comunismo, de paz de amor e a estrela de Davi aparecem entre os desenhos em um quadro-negro de uma sala ocupada por manifestantes em Columbia - Neal Boenzi/The New York Times

PESQUISADORES

À meia dúzia de ex-manifestantes presentes se somaram estudantes que vêm pesquisando a história de 1968 nos arquivos da universidade, como parte de dois cursos que seguiram os moldes de um curso anterior dedicado ao estudo das ligações da universidade com a escravidão.

A pesquisa sobre a escravidão foi comandada pelo reitor da universidade, Lee Bollinger. Mas o evento para relembrar 1968 se debruça sobre uma história que é mais recente e possivelmente ainda mais tensa, mesmo em uma escola onde a tradição de protestos estudantis é alardeada como parte de sua “marca registrada”.

Em entrevista telefônica, Bollinger disse que “parte da identidade de Columbia é reforçada pelo que aconteceu aqui em 1968”. Mas, perguntado se ele enxerga o legado dos próprios protestos como algo positivo, Bollinger respondeu com cuidado. Seu próprio escritório foi ocupado brevemente em 2016 por estudantes que reivindicavam que a universidade deixasse de fazer uso de combustíveis fósseis.

A decisão da administração de chamar a polícia em 1968 foi “uma quebra grave com o ethos da universidade”. Bollinger disse que, por mais que concordasse de maneira geral com a oposição dos manifestantes à Guerra do Vietnã e seu apoio aos direitos civis, a ocupação de prédios da universidade “não foi necessariamente a maneira correta de manifestar esses pontos de vista”.

Os aniversários da greve tendem a refletir a política do campus no momento em que acontecem. No décimo aniversário, em 1978, a questão dominante da época era o chamado pelo desinvestimento na África do Sul do apartheid racial, e a situação quase virou um tumulto na saída de um debate, quando os participantes tentaram ocupar a Biblioteca de Direito.

Em 2008, no 40º aniversário, o campus estava mergulhado numa discussão intensa sobre uma ampliação planejada no valor de US$ 7 bilhões (hoje parcialmente realizada), que algumas pessoas enxergaram como uma retomada do plano para a construção do ginásio no vizinho parque Morningside, o estopim da greve de 1968.

O aniversário também trouxe à tona tensões entre os próprios veteranos de 1968. Veteranos afro-americanos dos protestos, alguns dos quais tinham sido membros da Sociedade Estudantil Afro-americana, falaram do racismo que sofreram em Columbia e do modo como seu papel na greve foi empurrada para as margens dos relatos do que aconteceu, que teriam destacado a entidade Estudantes por uma Sociedade Democrática, de maioria branca.

Alguns ex-grevistas brancos expressaram sentimentos complicados pelo fato de que foi pedido que deixassem Hamilton Hall, o primeiro prédio ocupado em 1968, para que os estudantes negros pudessem fazer um protesto separado.

“Foi catártico”, disse Raymond M. Brown, líder da ocupação de Hamilton e hoje advogado de destaque, falando daquela discussão. “Fiquei realmente surpreso como algumas pessoas se ofenderam com algo que foi uma decisão estratégica.”

Alunos ficam sentados do lado da portaria do prédio de matemática, um dos cinco ocupados na Universidade Columbia durante a greve de 1968
Alunos ficam sentados do lado da portaria do prédio de matemática, um dos cinco ocupados na Universidade Columbia durante a greve de 1968 - William E. Sauro/The New York Times

PIVÔ

Hoje a imagem dominante que se tem de 1968 na Universidade Columbia talvez seja a de radicais em sua maioria branca nas janelas dos prédios ocupados. Mas estudos históricos do que aconteceu reconhecem a ocupação de Hamilton Hall como “o ato que foi o pivô” dos protestos, como explica Brown em “A Time to Stir: Columbia ’68”, coletânea de ensaios editada por Paul Cronin e lançada recentemente pela Columbia University Press.

Essa visão revista da história também se refletiu no elenco de ex-grevistas presentes para a tour. Mark Rudd, o líder da Estudantes por Uma Sociedade Democrática que foi celebrizado pela tomada da universidade (e mais tarde conduziu uma facção para a militância violenta), iria participar da tour na data original prevista, duas semanas antes, cancelada devido a uma nevasca (que, por sinal, deu lugar a chistes sobre “weatherman” – o “homem do tempo” e também uma alusão à organização radical Weather Underground, daquela época).

Mas entre os presentes estavam Carolyn Eisenberg, a única mulher a participar originalmente do comando central da greve, e Karla Spurlock-Evans, uma das ocupantes do Hamilton Hall que disse que tinha ido ao prédio originalmente não para protestar, mas para ouvir o Soul Syndicate, uma banda do campus conhecida por fazer covers de Smokey Robinson.

O ambiente durante a caminhada foi de camaradagem e boa vontade. Mas os participantes voltavam sempre a discutir a decisão dos estudantes afro-americanos de fazerem um protesto separado.

No saguão do Hamilton, Brown e Spurlock-Evans destacaram que foi uma decisão estratégica. Disseram que os estudantes negros tinham vínculos mais fortes com a comunidade do Harlem, que cerca a universidade, um histórico mais forte de organização, mais disciplina e menos tolerância com o discurso revolucionário dos brancos mais radicais.

Eisenberg, hoje historiadora e ativista pacifista, fez parte dos estudantes brancos aos quais foi pedido que saíssem de Hamilton (ela então ajudou a ocupar o Fayerweather Hall). Ela se indagou se o pedido teria ajudado a impelir os líderes da Estudantes por uma Sociedade Democrática, quase todos homens, a adotar uma “postura viril extrema”.

“Aquilo gerou a necessidade psicológica de reafirmarem que eles eram corajosos, fortes e revolucionários”, ela disse.

Quanto à greve em si, a repressão policial aconteceu de modo diferente no Hamilton Hall. Os estudantes, que tinham indicado que não resistiriam à prisão, foram conduzidos para fora por uma unidade policial liderada por agentes negros, sem a violência vista nos outros prédios.

E, enquanto os outros prédios da universidade foram depredados (um ocupante da Biblioteca Low foi fotografado, em imagem que ficaria famosa, com os pés em cima da mesa de trabalho do reitor, Grayson Kirk, fumando seus charutos), Spurlock-Evans observou que os ocupantes do Hamilton tomaram o cuidado de deixar o prédio tão limpo quanto o haviam encontrado.

Quando a tour chegou ao fim, Guridy observou que as duas reivindicações principais dos grevistas –o cancelamento da construção do ginásio e o corte de relações com um instituto de pesquisas de armamentos ligado ao Departamento de Defesa —acabaram sendo atendidas.  Um ano mais tarde, Kirk tinha renunciado ao cargo, foi criado um senado universitário e começaram a ser criados cursos de história afro-americana.

Muitos na época, e também desde então, argumentaram que a greve prejudicou a universidade profundamente, por violar seu status de reduto neutro, embora imperfeito, de “discussão e pesquisas neutras”, como disse o historiador Richard Hofstadter um mês após os protestos, em um discurso de formatura em que tomou o lugar de Kirk.

Mas Guridy disse que espera que a greve deixe ainda mais um marco.

“Deveriam colocar uma placa sobre o relógio de sol”, ele opinou. “Ela deveria dizer: ‘Este evento aconteceu. Foi difícil e violento. Mas converteu nossa comunidade em um lugar melhor.’”

Tradução de CLARA ALLAIN

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