Israel usa ataque de 2007 a reator nuclear na Síria para ameaçar Irã

Destruição de reator ilustra disposição israelense de aniquilar programas atômicos de rivais

Quadros em preto e branco mostram o momento em que as forças de Israel atacam um suposto reator nuclear da Síria em 20 de março de 2007
Quadros mostram o momento em que as forças de Israel atacam um suposto reator nuclear da Síria em 20 de março de 2007 - Exército de Israel/AFP
São Paulo

O governo de Israel usou nesta quarta-feira (21) o levantamento da censura a um segredo militar para mandar um recado ao Irã, que trata como ameaça existencial.

Em 6 de setembro de 2007, quatro caças F-16 invadiram o espaço aéreo da vizinha Síria para atacar e destruir as instalações de al-Kubar, nas quais ficava um reator nuclear que, no limite, permitiria à Síria chegar à bomba.

O premiê Binyamin Netanyahu divulgou pouco depois da difusão da notícia comunicado em que fica clara a mensagem a Teerã:

"O governo de Israel, as Forças de Defesa de Israel e o Mossad [serviço secreto] evitaram que a Síria desenvolvesse capacidade nuclear. [...] A política de Israel tem sido e permanece consistente --evitar que inimigos se armem com dispositivos nucleares".

Mais claro, impossível: Israel se opõe frontalmente ao acordo que as grandes potências firmaram com o Irã em torno do programa nuclear daquele país por achar que o texto não impede Teerã de obter a bomba atômica em um prazo relativamente curto.

Israel também acha que o Irã é uma ameaça à existência do próprio Estado judaico, o que significa que deixa aberta a possibilidade de aplicar também contra o Irã a chamada doutrina Begin (de Menachem Begin, primeiro-ministro de 1977 a 1984).

Essa regra informal determina que Israel destrua qualquer capacidade militar de qualquer inimigo. Foi usada nos ataques aos reatores iraquiano, em 1981, com Begin na chefia do governo, e sírio, já sob Ehud Olmert.

A mensagem contida na revelação dessa última ofensiva não se destina exclusivamente ao Irã: serve também para reforçar as dúvidas de Donald Trump sobre o acordo de 2015 com os iranianos.

A disposição bélica de Israel pode, portanto, funcionar como um empurrão para que o republicano tente renegociar o documento de maneira a eliminar os receios israelenses sobre a capacidade do inimigo de chegar à bomba.

Mais uma coincidência: a revelação israelense ocorre quando está em visita aos Estados Unidos o príncipe saudita Mohammed bin Salman.

ARÁBIA SAUDITA

Salman disse à rede CBS que "a Arábia Saudita [rival regional e religiosa do Irã] não quer fazer a bomba nuclear, mas, se o Irã desenvolver uma, nós sem dúvida o seguiremos o quanto antes".

A operação israelense na Síria nem era tão secreta, embora estivesse vetada na mídia e nos pronunciamentos públicos das autoridades locais. Fora de Israel vazaram detalhes que ilustram o caráter espetacular da ação.

Exemplo de informação divulgada em 2012 pela revista The New Yorker: agentes do Mossad invadiram o computador pessoal de Ibrahim Othman, chefe da Comissão de Energia Atômica da Síria, quando ele estava em Viena.

Roubaram então informações que, devidamente analisadas, convenceram os militares israelenses de que a Síria estava desenvolvendo um reator, com grande envolvimento da Coreia do Norte.

Daí ao ataque, foi uma escalada relativamente rápida.

The Times of Israel, em todo caso, diz que há outras possibilidades para a divulgação agora de um fato ocorrido há dez anos: a primeira, mostrar a potência de Israel no momento em que se prepara para comemorar 70 anos de independência; a segunda, servir de propaganda para um Netanyahu sitiado por denúncias de corrupção.

Há ainda uma terceira razão, mais prosaica: antecipar-se ao lançamento de livro de Olmert, agora preso por corrupção, que precisa de um fato glorioso para lustrar sua imagem.

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