Lula exorta Maduro a não permitir 'equívoco de isolar a Venezuela'

Em entrevista, ex-presidente diz que venezuelano não o procurou para pedir conselhos

Paula Ramón
São Paulo | AFP

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fotografado de perfil direito, do peito para cima, usando blazer preto e camiseta vermelha, fala e estende a mão esquerda para o interlocutor que não aparece no quadro
O ex-presidente Lula dá entrevista à agência AFP na sede do Instituto Lula, em São Paulo - Nelson Almeida-1.ma.17/AFP

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva exortou o mandatário venezuelano, Nicolás Maduro, a "não permitir o equívoco de isolar a Venezuela", e opinou que é necessário pensar na economia da nação caribenha "com muito carinho".

Em entrevista exclusiva à AFP, Lula comentou que não está acompanhando de perto a situação venezuelana e que não conversou recentemente com Maduro, mas explicou que em 2013, quando o mandatário venezuelano assumiu o poder como herdeiro político de Hugo Chávez (1954-2013), lhe enviou uma carta dizendo o que "achava que era prudente ele trabalhar para harmonizar a Venezuela".

Mas "por razões que ele não tem que me explicar, ele não adotou as coisas", disse Lula, que junto com Chávez e o boliviano Evo Morales encarnaram a onda de governos de esquerda do início do século na América Latina.

"Maduro tem que ter em conta que é preciso pensar na economia da Venezuela com muito carinho, porque a Venezuela precisa de abastecimento, precisa gerar muito emprego, precisa se industrializar, e o Maduro não pode permitir que ocorra o equívoco de fechar a Venezuela".

Lula (2003-2010), que enfrenta uma delicada situação judicial e aspira às eleições presidenciais de outubro, opinou que a "Venezuela precisa se abrir para a América do Sul, para outros países, fazer parceria com outros governos". "Pior do que um produto caro na prateleira de um supermercado, é não ter o produto", disse. 

"Mas o problema da Venezuela é da Venezuela. E que os Estados Unidos não têm que ficar ameaçando a Venezuela, que o Brasil não tem que ficar ameaçando à Venezuela. Com paz já é difícil a gente se desenvolver neste continente, com guerra será muito mais difícil". 

"FALE MENOS DE BOLÍVAR

O ex-líder sindical se emocionou ao recordar anedotas com Chávez, que descreveu como "uma das pessoas mais extraordinárias" que já conheceu, mas também citou algumas diferenças entre eles.

"Eu dizia: 'Chávez, você não poder se voluntarista, não tem que tratar a Venezuela como se ela fosse tua'. O Brasil não é meu, eu que sou do Brasil", disse. 

"Passei horas e horas conversando com Chávez, tentando passar um pouco de minha experiência sindical para ele, porque eu achava que o Chávez era uma figura extraordinária, mas ele ainda tinha uma cabeça um pouco militarizada", acrescentou.

Lula ressaltou que o tema da industrialização era recorrente em suas conversas com o líder da chamada revolução bolivariana. "Eu dizia a Chávez que ele devia falar menos de [Simón] Bolívar e mais de industrialização", contou. 

O ex-presidente recebeu a AFP na sede do Instituto Lula, em São Paulo. Dedicou vários minutos da entrevista a repassar sua relação com Chávez, que também considerou "uma pessoa acima da média". 

Pediu "cuidado" ao abordar a maciça migração venezuelana devido à crise política, econômica e social que o país vive. 

"Certas pessoas estão saindo por algum problema na Venezuela, temos que ter em conta que eles amam a Venezuela e que na medida em que as coisas melhorarem vão voltar, eles não querem viver em condições desfavoráveis em Boa Vista, seu coração está na Venezuela e querem voltar assim que for possível."

Nicolás Maduro, de terno preto e gravata vermelha e com a bandeira da Venezuela ao fundo, fala e gesticula com a mão direita
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, conversa com jornalistas após reunião com a Comissão Nacional Venezuelana - Marco Bello/ Reuters

Segundo estimativas oficiais, cerca de 40 mil venezuelanos estão vivendo na capital do estado de Roraima, muitos deles em condições de indigência.

Lula acrescentou que não é seu trabalho dar palpites sobre a gestão de outro país.

"Eu não sou nada, sou apenas um ex-presidente, fui amigo do Maduro, muito amigo do Chávez. Se o Maduro não me procura, não conversa, é porque ele sabe que tem gente lá mais competente, que pode ajudar mais do que eu."

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