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Nova encarnação de Putin traz riscos à relação com o Ocidente

Não é o caso de exagerar o perigo, contudo, até porque o presidente pode buscar acomodação

Tela mostra o percentual de votação de Putin segundo pesquisa boca-de-urna, neste domingo (18) em Moscou
Tela mostra o percentual de votação de Putin segundo pesquisa boca-de-urna, neste domingo (18) em Moscou - Bai Xueqi/Xinhua
Moscou

A versão 4.0 de Vladimir Putin como presidente eleito, que vira um ainda mais vistoso 6.0 se forem contados os dois termos como premiê da Rússia, encerra uma série de perigos para o Ocidente.

Não parece ser o caso de alarmismo, contudo. Putin sempre foi um ator político racional, tendo costurado com afinco sua estrutura única de poder, na qual opera dissensos diversos dentro da administração de forma a ser o centro gravitacional do Kremlin. E usou essa habilidade na política externa, sua arena predileta e que lhe oferece resultados mais eficazes de ganho de imagem interna.

A questão é que ele está muito mais alavancado, para emprestar um termo do mercado financeiro. Sua intervenção militar na Síria virou a guerra civil em favor do aliado de Damasco, o ditador Bashar al-Assad, mas agora o país árabe vê tropas da Turquia, um membro da Otan, operando em seu solo. Forças e aeronaves russas estão lá desde 2015, e os EUA têm tropas especiais espalhadas em territórios controlados por inimigos do governo. Na sexta (18), o chanceler Serguei Lavrov disse que o que era uma guerra por procuração de grupos rebeldes financiados pelo Ocidente cada vez mais se parece um conflito direto entre potências.

Há o envolvimento na Ucrânia, que desde a reabsorção da Crimeia por Putin em 2014 vive uma guerra civil que está congelada nas regiões maioritariamente russas do leste do país. Como deixou claro ao intervir lá e, antes, na Geórgia em 2008, o Kremlin está decidido a não permitir o avanço que o Ocidente fez rumo às ex-fronteiras soviéticas.

Naturalmente, a nova e virulenta retórica militarista contra os EUA, a quem Putin mostra novas e potentes armas nucleares em um discurso oficial, é para ser vista pelo que é: propaganda. Mas sempre pode levar a reações indesejadas do outro lado, em especial quando ele é ocupado por um líder mercurial como o presidente Donald Trump. Não custa lembrar: ambos os países podem destruir o mundo muitas vezes ao deter os maiores arsenais atômicos do planeta.

As coisas podem dar errado com tantas linhas de atrito. Isso para não falar da temperança ocidental, que não está sendo exatamente exercitada no misterioso caso do envenenamento de um ex-agente duplo russo em solo britânico. Com a Copa do Mundo à frente em junho, analistas com trânsito no Kremlin preveem mais instabilidade direcionada rumo a Moscou, até porque essa imagem de país acossado por inimigos é parte central do mito criado por Putin.

Ao longo dos anos, Putin sempre explorou bem a hipocrisia ocidental. Enquanto Barack Obama se decidia sobre a decisão que tomaria sobre a Síria, traçando linhas vermelhas e afins, por exemplo, o russo sujou as mãos e ficou com o bônus. O pendor para o jogo bruto e cínico, não raro envolvendo mentiras descaradamente ditas, o serviu bem em casa, ainda que o tenha tornado em quase um pária em boa parte do Ocidente. Ele não parece se importar.

A frente econômica, por outro lado, pode ser um elemento de contenção. A Rússia saiu da recessão decorrente do tombo nos preços do petróleo, que vem sendo retirado aos poucos da posição central que ocupa ao lado do gás na economia russa. Mas o país vai crescer abaixo de 2% até 2020, o que é insuficiente para ampliar renda de sua classe média crescente, e as sanções ocidentais dificultam e encarecem o crédito a suas empresas privadas e estatais. Transformar o país em um parceiro confiável para negócios é meta urgente.

Há também o fato de que a eleição acabou e Putin está reeleito. Há a possibilidade de ele buscar uma posição de acomodação com o Ocidente, até porque em alguns pontos a situação está tensa além do que seria desejável antes de mais nada para a própria Rússia. Como precisa agora presidir sobre sua própria sucessão e garantir a manutenção de seu poder após 2024, um recuo tático também poder ocorrer.

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